A impressão que temos é que a história se repete. Para os
povos indígenas, o que os fatos narram é um constante genocídio. Desde a
usurpação da América, o que contam as ocorrências é uma realidade de
perseguição e mortandade. Ano após ano. Século após século. Hoje deveria ser
diferente, mas infelizmente não é. Depois das perseguições e escravismo, do
aldeamento, da tutela, trazem para debate marcos teporais para os direitos que
são originários, que precedem inclusive o Estado. Novamente, são teses
analisadas e aplicadas em nome dos dominantes.
“Nós estamos voltando na Ditadura Militar, meus avós contam
como é que os indígenas eram tratados na história. Hoje é a história que se
repete. Volta o genocídio dos povos indígenas”, professa Eliseu Kaiowa Guarani.
Num contexto de retirada de direitos, como sinal de
resistência, germinam feitos de esperança. Dia internacional dos povos
indígenas: a presente semana é tempo de intensificar as lutas. Indígenas em
todo o Brasil mobilizam-se contra o Marco Temporal. Junto a eles, entidades e
parceiros escancaram as violações dos direitos indígenas em debates e
conversas. Na segunda-feira (07), a Comissão de Justiça e Paz de Brasília (DF)
reuniu aos fundos da Catedral Metropolitana de Brasília (DF) mulheres e homens
para uma “Conversa Justa”. Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, e
Elizeu Kaiowá Guarani, secretário da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB), conduziram o momento.
Cleber Buzatto trouxe a análise sobre a conjuntura.
Apresentou as realidades de forma crua e violenta, realismo do que é vida dos
povos indígenas na “pátria amada, Brasil”. Casas de lonas em retomadas de
territórios sagrados. Crianças indígenas que vivem em espaços que são alagados,
que sofrem com o frio a beira de BRs por não contarem com uma política efetiva
de demarcações das terras. Massacres regidos por pistoleiros. Na realidade,
essas não são ausência do estado, mas presença de um poder que negocia somente
com os colonizadores, como lembra Cleber:
“O atual governo não tem qualquer tentativa de conversação
com os povos indígenas. Todas as ações dos governos têm sido acertadas entre
Michel Temer e os ruralistas. E diante a conjuntura, onde Temer precisa se
blindar para não ser investigado, tudo o que a bancada ruralista tem pedido o
governo tem atendido. A cada semana tem uma nova ação nociva contra os povos
indígenas, quilombolas, campesinos, trabalhadores sem terras”. – Cleber Buzatto
Elizeu Lopes Guarani Kaiowa retoma a narração da história –
e confirma que ela é cíclica. “Não temos mais para onde correr. Antigamente
quando éramos atacados nos refugiávamos na mata. Agora no Mato Grosso do Sul só
tem boi e braquiária, cana, soja e eucalipto. Temos que enfrentar os jagunços e
fazendeiros”. A liderança indígena confirma as imagens apresentadas por
Buzatto. “O que vocês viram em vídeo, é o que eu vivo diariamente. Essa é a
nossa vida por não podermos contar com um Estado que se diz Nacional”.
Na manhã de ontem, terça-feira (09), outro pingo de esperança.
A Audiência Pública realizada no Senado Federal, organizada pela Comissão de
Direitos Humanos, integrou a série de iniciativas que debatem e solidarizam-se
aos Direitos dos Povos Indígenas. Nos dois eventos - Catedral e Senado - foram
feitas denúncias contundentes sobre as violências contra os povos indígenas em
todo o país. Não há dúvida: o atual cenário é de violação e tentativa de
supressão de direitos. Mesmo que as hostilidades com a vida dos povos indígenas
sejam “atemporal”, vivemos o tempo considerado o mais grave das últimas
décadas, inclusive mais agressiva do que o período dos anos de chumbo. Elizeu
Guarani Kaiowa estava certo.
“O que podemos fazer?”, questionou uma senhora na Conversa
de Justiça e Paz. Como ações concretas, estendeu-se o convite para que digamos
juntos: Não ao Marco Temporal. A sociedade civil foi convidada a somar-se nos
atos previstos para esta semana de mobilização. Centenas de indígenas e
quilombolas de várias regiões do país estão em Brasília nos próximos dias. No
mesmo tempo, estão previstas manifestações dos povos indígenas, quilombolas e
outras populações e povos tradicionais em todo o pais. De norte a sul criaremos
uma grande corrente de solidariedade e energia para que os povos indígenas
tenham seus direitos tradicionais – sem marcos temporais – assegurados pela
decisão do Supremo Tribunal Federal. Rituais e rezas conduzirão a peleja que
nunca cessa.
Violência e violações
Foram relatados inúmeras situação de massacre e genocídio
nos encontros que aconteceram nos últimos dias. A presidente da Associação
Brasileira de Antropologia (ABA), Lia Zanotta, ressaltou a perseguição daqueles
que trabalham para denunciar as violações dos direitos indígenas. “Se
criminaliza antropólogos e aliados dos povos originários para atingir e
suprimir direitos indígenas”.
Luciano Maia, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal
(MPF), repartição destinada a assuntos referentes a povos indígenas e
comunidades tradicionais, apontou na Audiência Pública do Senado o descaso do
atual governo para políticas de promoção a vida dos povos. “Os povos indígenas
sabem que nada podem esperar do governo, por isso ainda tem alguma confiança na
justiça”, afirmou ao retratar a difícil conjuntura. “Estado brasileiro vem
incrementando uma política de extermínio dos índios. Isso se dá especialmente
pela não demarcação e respeito das terras indígenas”, relatou.
Muito além de 1988
Apesar desse cenário tétrico, em momento algum os povos
indígenas têm desistido de lutar por seus direitos ou de desenvolver suas
estratégias de enfrentamento para a garantia de sua vida/território. Juntamente
com seus aliados, estão articulando campanhas, visitas, debates e realizam
muitos rituais. Sabem que não estão sozinhos nesses embates. Contam com a sabedoria
milenar e a força dos espíritos de seus ancestrais que viveram e vivem nessas
terras de Abya Yala, a Ameríndia. A pergunta: qual a herança para as crianças?
Eles são herdeiros da luta.
Nas andanças e enfrentamentos às políticas de morte,
permanece a certeza: o direito dos povos indígenas é originário. Essa é uma
garantia presente na Constituição Federal de 1988, mas que se estende pela
história das comunidades e povos tradicionais. Por isso, a campanha “Nossa
história não começa em 1988” lembra a todas instâncias de poder do Brasil que
tradicionalidade não se negocia.
Não ao Marco Temporal
Demarcação Já
Por Hegon Heck, do secretariado nacional- agosto 2017
Fotos Laila Menezes