ATL 2017

ATL 2017

segunda-feira, 1 de maio de 2017

ATL 2017: armas, prepotência e colonialidade



“Nós, filhos e donos da terra, poderíamos desarmar eles (policiais). Essa é a nossa casa. Porque não podemos ir com nossas armas (arco e flecha, bordunas, maracá...)? Somos brasileiros também. Eles poderiam nos respeitar. Não podemos ir para casa sendo humilhados” (Gersina Krahô). Aplausos e silêncio. A mesma posição, radical e corajosa, foi manifestada pelo seu irmão, que indagou aos participantes do Acampamento Terra Livre (ATL): “Por que não podemos ir com nossas armas se eles vão armados? Os espíritos também estão vendo”.

Essa posição da guerreira e guerreiro Krahô foi acatada pelo acampamento que entendeu que os parentes poderiam ir para a caminhada com todos os seus instrumentos sociais e culturais. Enquanto isso, uma delegação indígena estava negociando com o comandante da Polícia, que foi irredutível: “Arco, flecha e tacape não passam”. Havia duas barreiras militares, uma da Polícia Militar do Distrito Federal e outra da Força Nacional.
Após mais algumas ponderações foi sugerido que seguissem na passeata apenas com os maracás, pois seria uma caminhada ritual. E assim se evitaria qualquer desdobramento, em termos de confronto.


Os rituais, começados após o almoço, foram se espalhando por todo o espaço do Acampamento. O objetivo maior da passeata seria a entrega do documento final do Acampamento às autoridades de alguns ministérios. E assim aconteceu sem incidentes, apesar da forte presença militar, inclusive com cães e cavalos. Recado dado, pacificamente. Por que tamanha prepotência e falta de condições de um diálogo em pé de igualdade? Repetiu-se a velha lógica colonial da imposição à força da vontade da dominação secular. Aliás, essa tem sido a atitude quando inúmeras delegações indígenas foram impedidas de entrar no Congresso Nacional, quando aí estavam sendo debatidos temas a respeito dos povos indígenas, numa clara afronta aos direitos indígenas, e a legislação nacional e internacional.

Solidariedade nacional e internacional



No último dia do ATL houve várias manifestações de solidariedade aos povos indígenas na luta por seus direitos, especialmente a demarcação e respeito a seus territórios. Representantes indígenas de países como a Indonésia, Bolívia, Equador e a Guatemala, manifestaram apoio e solidariedade aos povos do Brasil na luta por seus direitos. A constatação de que as lutas dos povos originários em todos os continentes é basicamente a mesma: respeito por seus territórios, recursos naturais, expressões culturais e formas de vida e organização com autodeterminação.  A luta dos povos originários não tem fronteiras pois é uma luta humanitária, portanto de toda a humanidade.
Importante solidariedade foi a manifestada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, cuja coordenação se fez presente no Acampamento, para trazer seu apoio aos direitos indígenas, denunciando toda forma de violação de seus direitos, violências e criminalização de suas lideranças. Assumiram algumas ações bem concretas, expostas pela procuradora-geral da República, Dra. Déborah Duprat.  Denunciar o ministro da Justiça em sua manifesta ação de enfraquecimento da Funai; apuração da truculência da polícia contra os participantes do ATL; denúncia de todas as vezes que os índios tiveram acesso negado ao Congresso Nacional.

A força das falas e rituais

“Esse foi um acampamento atípico, não apenas pela sua enorme diversidade de povos participantes, com aproximadamente 4 mil pessoas, mas também pela intensidade e beleza dos rituais e as inúmeras falas de denúncias e afirmação de seus direitos, e violências perpetradas pelo Estado brasileiro e pela ganância das elites gananciosas das elites econômicas e políticas”.
Alguns depoimentos foram feitos entre lágrimas, como foi o caso de uma mulher Munduruku, ao denunciar as constantes violências a que são submetidos, especialmente pelos grandes projetos que ameaçam suas vidas.
Dentre as falas com a força dos espíritos, emanadas da entranha da vida, da dor e da esperança, destacaram-se as de inúmeras mulheres, pela sensibilidade e profundeza de seus sentimentos, como também pela coragem, firmeza e determinação na luta.

Martírio e Mapa Guarani Continental



Ao final do ATL 2017, duas importantes ferramentas para a luta foram apresentadas. O Mapa Guarani Continental, em pré-estreia, foi apresentado por lideranças Guarani-Kaiowá. É um mapa elaborado no âmbito da Campanha Guarani. Resultado de um trabalho coletivo que envolveu pessoas e instituições da Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil. O movimento indígena Guarani participou ativamente na construção dessa importante ferramenta da luta desse povo.  Foram identificados e colocados no mapa 1.416 comunidades Guarani, num total de 280 mil pessoas. Segundo o antropólogo Georg  Grunberg, um dos coordenadores desse trabalho, “os Guarani, sua cultura e resistência são tão impressionantes e importantes para a humanidade, que se não existissem teriam que ser inventados”.
E para que todos tivessem um pouco mais de informação sobre o genocídio e martírio a que está sendo submetido o povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, nada melhor do que assistir o filme de Vicent Carelli, “Martírio”. Além da tenaz resistência e sofrimento desse povo, o filme retrata o processo histórico a que todos os povos indígenas do país, os resistentes e os extintos, foram e estão sendo submetidos. O diretor do filme esteve presente no ATL para o debate.

Egon Heck – Fotos Laila Menezes
Cimi Secretariado Nacional

28 de abril 2017