Sem ufanismo
ou derrotismo tive o privilégio de viver esses 45 anos do Cimi, o Conselho
Indigenista Missionário, junto aos povos indígenas, na luta por seus direitos.
O Cimi tem definido claramente linhas de ação que têm norteado uma atuação
profética, respeitosa e radical na perspectiva da vida e da autodeterminação. O
testemunho de centenas de missionários, religiosos e leigos tem possibilitado
um enfrentamento permanente com as forças anti-indígenas no Brasil. Tem sido de
fundamental importância o apoio permanente da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil – CNBB, assim como das dioceses e prelazias.
Ao fazermos
uma breve memória da atuação do Cimi, principalmente nos últimos anos, o
fazemos no intuito de contribuir com a caminhada histórica da entidade, feita
de luzes e sombras, conflitos e esperança, martírio e vitórias.
O ataque
permanente aos direitos indígenas e a incidência internacional
Nestes
últimos cinco anos vimos um permanente e intenso ataque aos direitos
constitucionais e originários dos povos indígenas. Esse quadro alarmante e
genocida parecia ter sido superado com a aprovação do capítulo VII da
Constituição de 1988. Nos artigos 231 e 232, fica superada a perspectiva
integradora e assimilacionista, a superação da tutela e garantia dos direitos
originários dos povos indígenas a seus territórios. O que vimos desde então foi
um alinhamento crescente dos interesses anti-indígenas, no intuito não apenas
de suprimir partes desses direitos, mas especialmente de garantir a eliminação
deles, na lei e na prática.
Só não foi
consumado esse retrocesso e o consequente genocídio dos povos indígenas no
Brasil graças à permanente mobilização dos povos, comunidades e organizações
dos povos indígenas, com apoio de seus aliados em nível nacional e
internacional. E o apoio do Cimi tem sido permanente e incondicional.
O Centro de
Formação Vicente Cañas tem sido um espaço de resistência e apoio à articulação
e mobilização de delegações indígenas de todo o país.
Diante da
Omissão, Conivência e ações contra os direitos dos povos indígenas por parte do
Estado brasileiro, essas populações se viram na contingência de buscar cada vez
mais as instâncias internacionais para denunciar as violências e violações dos
direitos indígenas. Essa crescente incidência internacional dos povos indígenas
e seus aliados tem sido vital para impedir o crescimento da violência, da
impunidade e do genocídio.
O Cimi
obteve, em agosto de 2016, status consultivo especial no Conselho Econômico e
Social da ONU (Ecosoc). Após dois anos de análise de documentos e relatórios, o
Conselho aprovou a concessão do status,
afirmando que reconhece a competência técnica e especializada e a experiência
prática da entidade na temática indígena.
Os direitos
indígenas continuam sob a mira dos ruralistas, do agronegócio, das mineradoras
e outros setores retrógrados das elites brasileiras. De maneira especial estão
ameaçadas e permanentemente pressionados as terras e territórios indígenas e os
bens da natureza neles existentes.
O Cimi
entende que uma das suas funções primordiais é a defesa da terra, da vida, da
cultura e autodeterminação de todos os povos indígenas existentes no país.
Os mártires
dos povos indígenas e missionários do Cimi
Em Brasília,
na Praça do Compromisso, lembramos o cruel assassinato de Galdino Pataxó
Hã-Hã-Hae, na noite de 20 de abril.
“A memória dos
mártires, o sangue dos mártires, mais do que um conselho, é compromisso que
conjuntamente assumimos, ou reassumimos”, afirmou Dom Pedro Casaldáliga em sua
mensagem à Romaria dos Mártires de 2011. “O que eu peço de vocês é que não
esqueçam a opção pelos pobres, essencial ao Evangelho, à Igreja de Jesus. E
esses pobres se concretizam nos povos indígenas, no povo negro, na mulher
marginalizada, nos sem-terra, nos prisioneiros... Nos muitos filhos e filhas de
Deus proibidos de viver com dignidade e com liberdade. Eu peço também para
vocês que não esqueçam do sangue dos mártires”.
Nos últimos
anos, o Cimi tem sido novamente alvo de Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPIs). Desta vez, na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, aberta em
setembro de 2015, encerrada em 2016 e definitivamente arquivada, por falta de
consistência, pelo Ministério Público em 2017. Ainda assim, todos os
depoimentos e material produzido foram repassados a outra CPI, a da Funai e do
Incra, que está ocorrendo em sua segunda edição na Câmara dos Deputados, em
Brasília. O que não deixa dúvidas de que se trata de mais uma tentativa de
criminalizar, desqualificar e incriminar os guerreiros indígenas e seus
aliados.
O
Acampamento Terra Livre, que estará se realizando em Brasília nesta semana, é
uma expressão da caminhada dos povos indígenas na luta pela defesa de seus
direitos nas últimas décadas.
E como nas
que já se passaram, o Cimi seguirá, lado a lado com os povos, apoiando e
participando das justas batalhas em defesa da vida, da diversidade e do Bem
Viver.
Gratidão
O sentimento
que nos move nestes 45 anos de existência é a gratidão. Aos povos indígenas,
nossos mestres permanentes e sábios, que nos ensinaram a viver na resistência,
na pluralidade, na simplicidade e na relação harmoniosa entre todos os seres vivos
nessa nossa casa comum, o planeta Terra.
Gratidão a
todos os que acreditam que o caminho dos povos indígenas é o nosso caminho de
futuro, sendo solidários a essa causa e apoiando seus projetos de Bem Viver.
Com nosso profeta D. Pedro Casaldaliga repetidos: “A esperança não poderá
morrer, jamais”.
Renovamos
nosso compromisso com os povos indígenas e todos os lutadores e guerreiros que
em nosso país e no mundo afora estão
empenhados na construção de um novo mundo, de justiça e paz.
Egon Heck
Fotos:Laila Menezes
Secretariado
Nacional Cimi
21 de abril
de 2017