Após meio século de intensas lutas pelos seus direitos,
especialmente pela reconquista de suas terras e territórios, os povos indígenas
se deparam com uma realidade que passou um tanto invisibilizada durante
décadas: as populações originárias em contexto urbano. Para refletir os
desafios que envolvem essa temática nos reunimos durante os dias 4 e 5 de junho
no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), onde partilhamos
iniciativas que surgem de norte ao sul do país. Estiveram presentes missionários
do Cimi e lideranças indígenas dos povos Kokama, Sateré Mawé, Guarasugwe,
Karajá Ixybiowa, Xavante, Payayá, Terena, Pataxó, Kaigang, Potiguara, Guarani,
Jaminawa, Chiquitano, Tariano e Kujubim.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
referentes ao censo de 2000 revelaram uma realidade surpreendente: 52% dos 745
mil indígenas autodeclarados na pesquisa estavam em contextos urbanos. Apesar
da fragilidade dos números, eles apontam uma realidade complexa e desafiadora.
Os indígenas nos cenários urbanos são frutos de três movimentos: o expressivo
aumento dos indígenas que se autodeclararam; o avanço das cidades sobre espaços
tradicionais; as migrações de populações originárias para as cidades,
basicamente pela desassistência nas aldeias, as péssimas políticas públicas
para os povos indígenas e a busca por melhores condições de vida.
O cego e omisso Estado brasileiro
Diante da permanente negativa do Estado em reconhecer os
direitos dos povos indígenas, aqueles que vivem em realidades urbanas são
marcados pelo abandono, já característico quando o assunto envolve os povos da
terra. A política da transitoriedade que leva a presença expressiva dos
indígenas em contexto citadino é desconsiderada, de maneira que, além de serem
invisibilizados, enfrentam também o descaso que fatalmente os deseja extintos.
O Estado brasileiro nega a esses povos qualquer atenção ou política específica
referente aos direitos à moradia, terra, escola, saúde específica, trabalhou ou
renda.
Os povos indígenas vêm exigindo seus direitos e desmontam,
com suas lutas, a atual conjuntura política hipócrita. Eles gritam a afirmativa
de que não deixam de ser índios por estarem nas cidades. “Somos índios onde
estivermos”, afirmam incansavelmente. “Temos o direito de estarmos em qualquer
lugar desse país sem deixarmos de ter nossa identidade, cultura e vivência de
povos originários. Sem deixarmos de ter reconhecidos nossos direitos”,
expressou um líder Kaingang presente no encontro.
“O Estado é uma máquina de moer índio”, garantiu outra
liderança. É uma verdade porque o “Estado” não reconhece a pluralidade dos
povos, sua transitoriedade acelerada pelo crescente deslocamento dos indígenas
para as cidades, que devido a inexistência de políticas públicas específicas,
têm suas identidades sequestradas e suas culturas oprimidas. Os depoimentos
apresentaram a luta contra as diversas e continuadas formas de discriminação e
preconceitos, violências e exclusão social.
A dura realidade e os difíceis direitos
Indígenas em contexto urbano é um tema que não ficou
ignorada ou despercebido pelo movimento indígena e seus aliados. Não é de hoje
que a realidade dos indígenas nas cidades se apresenta como um grande desafio.
É difícil pensar as perspectivas devido à complexidade do assunto. Contudo,
mediante as necessidades e como exemplo de iniciativas, o Cimi mantém uma
equipe de atuação junto aos indígenas em Manaus (AM) desde os anos 80. Há 30
anos atrás era estimado que aproximadamente 100 mil indígenas, de dezenas de
povos da Amazônia, viviam na capital manauara.
Foi dessas experiências que nasceram as primeiras
organizações de indígenas em Manaus, como a Associação das Mulheres Indígenas
do Alto Rio Negro (AMARN). Elas eram, em sua grande maioria, domésticas
trazidas a capital do Amazonas pelo processo de ocupação e presença não
indígena na Amazônia, marcado principalmente pelo forte acompanhamento militar
e o processo de escolarização. A presença dos povos tradicionais nos mais
diversos espaços urbanos contribui com processos de humanização dessas
realidades. Os valores e as formas de vida dos povos indígenas propõem as
cidades uma outra forma de existir. São inciativas que germinam esperanças a
partir dos desafios.
A caminhada e a luta continuam
A experiência do I Encontro de Povos Indígenas em Contexto
Urbano reafirmou a importância da união dos povos indígenas em situação urbana.
É preciso incentivar que essas sejam práticas que ocorram nos diversos níveis,
desde as realidades das aldeias e cidades, nos regionais, para que continuem os
encontros nacionais. São maneiras de dar visibilidade às lutas, mas
principalmente, de definir em conjunto estratégias que busquem fortalecer as
alianças do movimento indígena. Para avançar na conquista de direitos será
importante socializar e sistematizar as experiências de resistências nas
diversas realidades do país. Continuaremos, enquanto Cimi, a apoiar as lutas
pelos direitos dessas populações ajudando a construir alianças que ecoam as
vozes, os sofrimentos e as esperanças que animam os povos indígenas.
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