“Vicente lutou também contra os neobandeirantes, como se
autodenominam os fazendeiros que invadem a Amazônia Legal. Vicente morreu para
que os Enawenê-Nawê continuem vivos, acompanhados, a partir de agora, por outros
companheiros de trabalho e de ideal”. (Thomaz Lisboa)
No início do momento celebrativo e de memória os que
conviveram com Vicente destacaram algumas impressões e sentimentos sobre a vida
e testemunho do mártir. Bartolomeu Meliá ressaltou que Vicente foi uma pessoa
fora do comum, admirada mas nem sempre imitada. Ele tinha uma enorme capacidade
de escutar e de estar sozinho. Nem tudo e nem sempre era fácil a convivência.
Não era um santo clássico. Tem que acabar com essa civilização (da
desigualdade), repetia.
Para Egydio Schwade, ele foi um dos maiores indigenistas que
o país conheceu. Ele foi um grande mestre da inculturação, afirmou Elisabeth
Aracy Rondon, colocando uma interrogação: “o que diria Vicente sobre a
realidade que vivem hoje esses povos?”. Para Vanda, ele foi seu guru,
inspirando confiança. Ele tinha uma enorme admiração pelos Enawenê. Era uma
pessoa imensamente livre, disse Sebastião Carlos Moreira, que esteve com os
amigos na hora que encontramos o corpo de Vicente, no dia 16 de maio. Tinha
ideias muito transformadoras e práticas radicais. Thomaz tem “grande admiração
por esse seu melhor amigo, que tanto o ajudou nas horas difíceis de
discernimento e decisões”. Respeitava profundamente o outro, em especial os
povos indígenas.
D. Roque, presidente do Cimi, veio trazer sua palavra de
ânimo aos lutadores e lutadoras que, como Vicente assumem a causa dos povos
indígenas e da transformação social.
Foram três dias de intensas celebrações em sintonia com a
mãe terra, a irmã água, o vento e o fogo. Sentimos a presença de Vicente e os
milhares de guerreiros e guerreiras indígenas e missionários que foram
assassinados nas últimas décadas, que deram suas vidas para que prevaleçam as
forças da Vida sobre os projetos de morte.
Os povos indígenas presentes destacaram a importância de
pessoas comprometidas com a causa indígena, como Vicente. Chamaram atenção para
o cuidado necessário, por parte dos missionários, pois existem muitas ameaças
de assassinato daqueles que apoiam a causa indígena.
“Vivenciamos neste encontro de memória, saudade e partilha
momentos celebrativos que nos ajudaram a reavivar nossa fé, esperança e utopia.
Os testemunhos das pessoas que conviveram com o Ir. Vicente foram momentos
marcantes”, afirma a mensagem do encontro da memória dos 30 anos do assassinato
de Vicente Kiwxi.
Vivenciamos aspectos simbolicamente muito fortes. Estiveram
presentes os Myky, os Enawenê Nawê e Thomaz Lisboa, que juntamente com Vicente
fez os primeiros contatos com esses povos. Thomaz também estava junto aos que
encontraram o corpo de seu melhor amigo, assassinado em 16 de abril de 1987.
Genito Guarani Kaiowá, filho do cacique Nísio Gomes, veio
para trazer a solidariedade de seu povo e falar da dramática situação pela qual
está passando o povo Guarani nas últimas décadas. Denunciou a violência e
criminalização, pois após seis anos do assassinato de seu pai, o corpo ainda
não foi localizado e os responsáveis por tal barbárie continuam sem punição.
Na mensagem final do encontro ficaram assumidos alguns
compromissos e exigências:
- A necessidade das entidades envolvidas com a questão
indígena busquem formas concretas de realizar trabalhos em rede, com uma
presença na aldeia Enawenê-Nawê contribuindo para a garantia de bem viver
frente às várias ameaças das PCHs, BR 174, mineração e agronegócio.
- Novo júri popular, não apenas para que seja feito justiça
no assassinato de Ir. Vicente Cañas, mas naquilo em que ele representará para a
garantia dos direitos dos povos indígenas e a segurança para aqueles que, em
apoio a esses povos se colocam ao seu lado contra projetos que põem em risco
suas vidas, seus costumes e seus territórios no Brasil.
Para manter viva a memória do Ir. Vicente Cañas, durante o
Seminário, foi lançado o livro “Provocar rupturas, construir o Reino: memória,
martírio e missão de Vicente Cañas”, organizado pelo Cimi e publicado pela
editora Loyola. Um documentário sobre o seminário também está sendo preparado.
“Chega de tanta violência, basta de tanta morte! Convocamos
todos à luta contra esta barbárie e perversidade que ceifa a vida de nossos
irmãos e irmãs. Apesar do risco de morte, jamais deixaremos de lutar”. (D.
Erwin Kräutler, 24 de maio de 1987)
“Obrigado Ir. Vicente Cañas por deixar-te amassar e germinar
pela Amazônia e seus povos. Obrigado por teu túmulo florido, por doar-te todo,
por teu martírio e transformação profética, irmão jesuíta, em (Kiwxi) irmão dos
índios!” (Fernando Lopez)
Aguaçu, Cuiabá, 04 de abril de 2017
Fotos: Marinelis
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