Brasília viveu um dia como jamais havia vivido em pouco mais
de meio século de existência. A Esplanada dos Ministérios e dos mistérios foi
literalmente tomada por cavalos e aficionados da vaquejada. Entradas da Câmara
dos Deputados também estavam fortemente guardadas, pois lá dentro decisivas
ações e votações estavam sendo tramadas. A CPI da Funai e do Incra foi
reinstalada a portas fechadas. A PEC 241 foi aprovada na Câmara, mesmo contra a
vontade do povo brasileiro.
Na Universidade de Brasília (UnB)
algumas centenas de professores e lideranças de povos indígenas de todo o país
debateram e denunciaram as mazelas do Estado colonialista e suas políticas de
dominação e genocídio dos povos originários. Foi inevitável que a pergunta que
os povos indígenas e aliados faziam “escola pra que?”, voltasse a ser a base de
reflexões e debates.
O 2º Fórum de Educação Escolar Indígena, organizado de forma
autônoma pelos professores, lideranças indígenas e aliados da sociedade civil e
universidades, trouxe com muita força um olhar crítico sobre o momento
conjuntural e as escolas indígenas em seu processo secular de
instrumentalização pelo projeto colonial e atual dominação pelo modelo
capitalista neoliberal e desenvolvimentista.
Para o secretário do Cimi, Cleber Buzatto, o momento é
delicado e extremamente preocupante, pois “os ataques aos povos indígenas e
seus direitos, crescem, gerando ainda mais violência em praticamente todas as
regiões do país”. Como exemplos destacou a total paralização das demarcações
das terras/territórios indígenas e a constante tentativa de abrir as terras já
demarcadas aos interesses do agronegócio, mineradoras, madeireiras, dentre
outros. De igual gravidade é a interpretação e utilização do Marco Temporal,
nas diversas instâncias do Poder Judiciário. “Isso pode levar a total
inviabilização de reconhecimento e demarcação das terras indígenas”. Concluiu
dizendo que “nem tudo está perdido. Pelo contrário. A resistência e insurgência
dos povos indígenas, munidos de sua ciência e sabedoria, tem cada vez mais
demonstrado sua força e disposição lutar pelos seus projetos de vida e Bem
Viver”.
Cleber concluiu afirmando que “os povos e comunidades
tradicionais são sujeitos de ‘tradição do futuro’. Uma eventual derrota deles
para as forças do capital no atual contexto poderá representar a derrota
da humanidade.”
O professor Dori, da Universidade Federal da Grande
Dourados, no Mato Grosso o Sul, ao explicitar a experiência de formação de professores
indígenas, destacou a necessidade da indianização da universidade: “infelizmente
muito pouco tem sido feito para acolher e respeitar a especificidade dos povos
indígenas. A universidade continua sendo um ambiente hostil aos indígenas. Os
conhecimentos dos povos originários e seus modos de produção são pouco
aproveitados na universidade”. Na afirmação de Dari, “a universidade continua
preparando os indígenas para uma sociedade sabidamente falida”.
Para Dari, “os saberes indígenas podem ajudar a mudar o
mundo. Para tanto a educação escolar indígena tem que ser de resistência e
insurgência. Resistência Física,
epistemológica, cultural, de classe, sociológica e de autoria”. Concluiu afirmando
que “o problema é que nem sempre as pessoas sabem ou tem consciência, onde
querem chegar com a escola. Às vezes querem chegar à integração na sociedade
majoritária, adequando-se aos seus liberais e capitalistas valores, pensando
que essa é a única possibilidade de pensar a dignidade. Outras vezes querem
construir a autonomia, a alteridade e a solidariedade indígena”.
Rituais e
cultura: a invisibilidade do país plural
Um dos objetivos deste Fórum de Educação Escolar Indígena
foi dar visibilidade a esse
Brasil plural (com 305 povos originários) e profundo, historicamente massacrado e silenciado, e atualmente renascendo e se reencontrando para continuar na luta pelos seus direitos, movidos pelos seus projetos de Bem Viver e seus processos de resistência e permanente reconstrução de suas culturas e projetos de vida.
Brasil plural (com 305 povos originários) e profundo, historicamente massacrado e silenciado, e atualmente renascendo e se reencontrando para continuar na luta pelos seus direitos, movidos pelos seus projetos de Bem Viver e seus processos de resistência e permanente reconstrução de suas culturas e projetos de vida.
A descolonização é um processo
dolorido e incompleto, porém existem sinais de descolonização: mestres
tradicionais, demandas indígenas já começam a aparecer nos currículos e está se
esboçando uma política linguística. E o importante é que os povos e suas
organizações começam a acompanhar e exigir dos alunos que vão à universidade.
Um dos elementos fundamentais de resistência, insurgência e
sobrevivência dos povos indígenas é sem dúvida a sua profunda religiosidade e
vivência em harmonia com a natureza e todas as formas de vida.
A tucandeira, um ritual de passagem, dos índios Sateré Mawé,
do Amazonas, está sendo realizado em toda sua beleza e profundidade cultural,
social e religiosa, talvez pela primeira vez em Brasília, como expressou um dos
representantes desse povo.
A esperança vai à
aula e às ruas
No decorrer desses dias do Fórum, representantes indígenas
estarão indo às salas de aula para debater e mostrar aos estudantes suas lutas
e seus direitos. Em especial mostrando como é importante lutar juntos por uma
sociedade reconhecidamente plural, tolerante, digna e justa.
Também estão sendo realizadas exposições de artesanato
típico dos diferentes povos, bem como preparação de comidas típicas de vários estados.
Na tarde de ontem os professores e lideranças indígenas
fizeram uma marcha, na Esplanada dos Ministérios para mostrar as agressões,
violências, negação de direitos e descaso e omissão do Estado brasileiro.
Egon Heck - fotos
Laila/Cimi
Cimi Secretariado nacional
Brasília, 25 de outubro de 2016