Francamente,
saudade
Dom Franco: dez anos do martírio, testemunho e memória
Disposição, doação e
sabedoria
Permanente alegria estampada no rosto. Coração grande e generoso. Lucidez e
sabedoria na defesa corajosa e radical dos povos indígenas e dos pobres.
Juventude acumulada, mesmo aos 65 anos. Ainda jogava um
futebolzinho e não deixava de fazer suas caminhadas diárias. Admirável sua
disposição para o trabalho na causa dos mais pobres, especialmente os povos originários.
Na medida em que foi conhecendo suas culturas e lutas, com maior paixão e garra
foi assumindo essa causa.
Nos seis anos na presidência do Cimi teve momentos marcantes
na caminhada e lutas dos povos indígenas, como a Marcha e Conferência 2.000,
organizada pelo Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular. Foi o
movimento de resistência indígena mais expressivo das últimas décadas. A
repressão do Estado brasileiro à Marcha que se dirigia a Porto Seguro foi a
demonstração mais cabal dos 500 anos de violência. Dom Franco estava lá
participando e sofrendo a violência com que a Marcha foi reprimida.
Em 2002, a Campanha da Fraternidade foi sobre a questão indígena:
Por uma Terra Sem Males. Foi um momento forte de tomada de consciência dos
cristãos sobre as vidas e lutas dos povos indígenas no Brasil. Intensas
atividades de informação, reflexão e solidariedade com os povos originários do
nosso país. Dom Franco, como presidente do Cimi, teve intensas agendas em nível
da Igreja e sociedade. Foi também o ano de muita reflexão e autocritica interna
do Cimi, por ocasião de seus 30 anos de existência.
A centralidade da
questão missionária
Dom Franco teve importante contribuição na dimensão
missionária. Foi um grande conhecedor e defensor da dimensão missionária, tendo
conhecido e participado de inúmeras experiências e trabalhos missionários,
especialmente na África e América Latina. Trouxe esse vigor missionário para as
atividades e agendas do Cimi. Contribuiu de forma fundamental na elaboração do
Plano Pastoral da entidade. Empenhou-se para a construção da simpática capela
no Centro de Formação Vicente Cañas.
Foi um missionário por excelência. Entendia como missão a
opção radical pelos pobres e oprimidos e a doação da vida por essa gente: “Se
quisermos mudar esse mundo temos que gastar nossa vida em defesa dos mais
pobres”.
Como sociólogo, não
deixava de assumir e ressaltar a dimensão transformadora e libertadora da
missão. Sempre esteve alinhado e unido ao grupo dos bispos que tinha uma
pastoral e compromisso social em sua atuação pastoral e política.
Não deixou de considerar, em sua atuação como presidente do
Cimi e atuação como bispo de Balsas, no Maranhão, dimensões cruciais para os
dias atuais, como a questão ambiental, o aquecimento global e a destruição
brutal das condições de vida em nossa casa comum, como tantas vezes tem
repetido o Papa Francisco.
Após dez anos de sua súbita partida, deixa não apenas um
testemunho e um desafio para nós que lutamos ao lado dos povos indígenas na luta
pela vida e seus direitos, mas para todos os brasileiros, que lutam por um
Brasil plural, justo e solidário.
Dom Franco, presente.
Somos gratos e homenageamos todos os presidentes do Cimi,
que deram sua valiosa contribuição e o melhor de si no serviço à causa indígena,
na presidência do Cimi. Pe. Jaime
Venturelli, Pe. Vicente Cesar, Dom Tomás Balduino, Dom José Gomes, Dom Erwin Kräutler,
Dom Aparecido José Dias, Dom Franco Masserdotti, Dom Roque Paloschi. E nesta
homenagem de reconhecimento e gratidão queremos nos unir aos nossos mártires e
todos os missionários e agentes de pastoral indigenista, que se doaram à causa
indígena nesses 44 anos do Cimi.
Foi um testemunho de diálogo e esperança: “Importante é
saber valorizar o outro, acreditar no pluralismo da experiência cristã e na inculturação
do Evangelho, promover a escuta e a colaboração entre as igrejas e as
religiões, assumindo em conjunto as grandes causas que caracterizam hoje o
Reino de Deus na história: a justiça, a paz, a ecologia, os direitos humanos, a
reforma agrária, os refugiados, os migrantes... A visão crítica do passado
convida a superar toda atitude de arrogância, mas não admite medo, fatalismo,
pessimismo. Requer confiança, esperança” (Porantim nº 223 – março 2000).
“A verdadeira morte acontece
quando colocamos a nossa esperança e o sentido de nossa vida na posse, no
poder, no prazer desregrado, quando fechamos o nosso coração ao próximo e nos
deixamos levar pelo egoísmo. A verdadeira morte é quando temos medo de perder
nossa vida por causa de Jesus e do Evangelho (cf Mt 8,35)” (Em Memória de Dom
Luciano, 30/08/2006).
Brasília, 16 de setembro de 2016.
Egon Dionísio Heck
fotos arquivo Cimi
Cimi Secretariado Nacional