“Tamanhos
são os crimes que o Serviço de Proteção aos Índios degenerou a ponto de
persegui-los até ao extermínio. Pode ser considerado o maior escândalo
administrativo do Brasil” (Jader Figueiredo-1968).
Lindomar
Terena leu o documento dos povos indígenas do Brasil
Ainda
sob o impacto das manifestações, denúncias e cobranças do 11º Acampamento Terra
Livre e das Mobilizações do Abril Indígena de 2015, mais um fato de extrema
relevância para os povos indígenas acaba de se concretizar. Um momento de
incidência internacional acaba de acontecer, quando lideranças indígenas da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) deixaram suas aldeias e foram
ao espaço de diálogo das nações, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU),
em Nova York.
Ali
denunciaram aquilo que protocolaram nos três poderes em Brasília uma semana
antes. Um documento foi lido por Lindomar Terena, do Mato Grosso do Sul,
terminando com sugestões para os membros da ONU.
Embaixo
do tapete não cabe mais
É
longa a história de ocultação da verdade por parte do Estado brasileiro , com
relação à trágica realidade a que estão
submetidos os povos indígenas. É o famoso jeitinho de jogar a “sujeira debaixo
do tapete”. Ficaram famosos os intuitos da ditadura militar, de ocultar os
processos de violência e genocídio contra os povos originários, sob o manto e
discurso de um “progresso” irreversível. Eram tempos de milagre. O milagre da
sobrevivência dos povos, diante da fúria das empreiteiras da ditadura.
Porém,
a irrupção de denúncias escabrosas e generalizadas de violência e genocídio dos
povos indígenas no Brasil, maculou a ilibada imagem do país, diante do capital
internacional a procura dos melhores e mais lucrativos lugares do mundo. A
reação não se fez esperar. O governo da ditadura militar chamou organismos
internacionais para vir comprovar a falsidade das acusações. Pelo menos três
organismos internacionais, dentre os quais a Cruz Vermelha Internacional e a
Survival Internacional, estiveram no Brasil no início da década de 1970. O
senhor Robin Hambury-Tenison, depois de nove semanas de contatos com inúmeras
realidades indígenas, afirmou “que sem ajuda técnica e econômica internacional
os 50 mil índios brasileiros desaparecerão em dois anos” (Jornal do Brasil, 08/07/1971).
Referente a essa afirmação o diretor do Departamento Geral de Estudos e
Pesquisas da Funai, Paulo Monteiro Santos, lamenta que tenha sido feito esse
enorme custo pois com esse dinheiro poderiam ter sido instalados dois ou três
postos indígenas. Apesar desse alerta
subvencionado o sr. Tenison afirmou que não existia genocídio.
Poucos
anos depois, no IV Tribunal Internacional Russel, em Roterdã, na Holanda, o
Brasil foi condenado pelo crime de genocídio. Foram denunciadas as situações
dos povos Waimiri Atroari, Yanomami, Nambikuara e dos Kaingang, de
Mangueirinha, no Paraná (Jornal Porantim, novembro 1980).
Na ONU: anúncios e
denúncias
Como parte da mobilização dos povos indígenas por seus
direitos e dignidade, uma delegação de representantes indígenas da Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (APIB), levou ao Fórum Permanente para Questões
Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 24, em Nova York (EUA),
a realidade das comunidades país afora.
Há menos de um ano, a violação aos direitos indígenas havia
sido denunciada neste mesmo Fórum. Infelizmente quase nada mudou neste ano, e
se mudou em alguns aspectos, como o intento de supressão de direitos indígenas
da Constituição, a mudança foi para pior. Aumentaram as ameaças e as
violências. Diante dessa realidade o movimento indígena avaliou ser necessário
continuar a resistência e afirmação de seus direitos em todos os níveis, da
aldeia à ONU.
Os representantes do governo brasileiro tinham acabado de
anunciar com ufanismo a realização dos Jogos Mundiais Indígenas previstos para
se realizarem na cidade de Palmas, Tocantins, em setembro deste ano. Porém,
sentiram-se constrangidos diante das denúncias, feitas poucas horas depois.
Quem sabe não seria um gesto de boa vontade, a demarcação
das terras indígenas mais conflitivas em todo país, especialmente no Mato
Grosso do Sul, na Bahia e no Rio grande do Sul, a paralização de todos os
projetos anti-indígenas que tramitam no Congresso, a aprovação do Conselho
Nacional de Política Indigenista e o Estatuto dos Povos indígenas conforme a
proposta enviada pelo momento indígena, a exclusividade das condicionantes para
a terra indígena Raposa Serra do Sol... Se isso acontecer, o Brasil poderá se
dizer um digno anfitrião para os jogos indígenas. Que os jogos não sejam mais
um ato para ludibriar a opinião pública nacional e internacional, diante das
agressões, desrespeito e omissões do Estado brasileiro.
Como na década de 1970, foi solicitada a presença de
observadores internacionais, desta vez pelo movimento indígena: “Que o Fórum
Permanente envie urgentemente observadores ao Brasil para que acompanhem a
realidade dos conflitos territoriais, e a ofensiva estabelecida contra os
direitos indígenas nos distintos poderes do Estado”.
A razão de tal solicitação constante na carta dirigida à
vice-presidente do Fórum, Ida Nicolaisen, é pela “forma que o Estado brasileiro
está tratando os povos indígenas: o governo federal descumpre a Constituição,
os legisladores suprimem e o Judiciário restringe cada vez mais os direitos,
principalmente territoriais. Enfim, há no Brasil uma virulenta campanha de
criminalização,
deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos
indígenas, caracterizados como invasores, subverteres da ordem e principalmente
como obstáculos ao desenvolvimento nacional” (Declaração dos Povos Indígenas do
Brasil no Fórum Permanente dos Povos Indígenas – ONU, 24/04/2015).
Esse é um momento histórico importante para o Brasil mostrar
ao mundo que tem uma decisão política de tratar com respeito e dignidade seus
habitantes originários, cumprindo a Constituição e a legislação internacional. Não tem mais espaço para defender o
indefensável, ou seja, a violação das leis.
Egon Heck – fotos Laila Menezes
Cimi – Secretariado Nacional
Brasília 27 de abril de 2015