“Queremos a suspensão imediata
desse projeto de carbono, que está matando o povo Surui”. Essa foi a
reivindicação de todos os caciques e lideranças do povo Suruí, na audiência por
mais de três horas, no auditório do Ministério Público Federal. Deborah Duprat,
coordenadora da 6ª Câmara, ouviu atentamente e debateu com a delegação dos
Povos Indígenas de Rondônia, num clima de muita confiança e franqueza. Após
breve apresentação, Deborah manifestou estranheza sobre a presença de alguns
seguranças no auditório. Após indagar
quem os teria enviado a esse espaço, comentou: “Nós nunca precisamos de tais
presenças em nossos encontros com os povos indígenas. Por isso peço a vocês que
se retirem”. Apesar de terem confidenciado que estavam ali por ordem superior,
retiraram-se do recinto.
“Essa para mim talvez seja uma
das atividades mais importantes da nossa vinda a Brasília”, comentou Antenor
Karitiana. De fato, o Ministério Público Federal tem se transformado num dos
importantes espaços de luta e garantia dos direitos dos povos indígenas. Apesar
da estrutura de funcionamento impor limitações, é inegável que os povos
indígenas tem no Ministério Público Federal um importante aliado em suas lutas
pelos direitos constitucionais.
Projeto polêmico, abominado pelos Suruí
A maior parte do tempo do
encontro no MPF girou em torno do polêmico projeto Carbono Florestal Suruí,
iniciado em 2007. É considerado o primeiro do gênero implantado em terra
indígena em nosso país. E na opinião dos Suruí e da delegação dos povos
indígenas de Rondônia, deveria ser o último. É pelo menos nessa perspectiva que
estão lutando, para que semelhante enganação não se repita em nenhuma terra
indígena. O cacique geral do Povo Suruí, Henrique Iabaday, presente na
delegação, em entrevista ao Porantim de setembro do ano passado, assim se
expressou a respeito do projeto: “Projeto de carbono para nossa terra é para
tirar a vida do povo Suruí, vai tirar a sua vida de felicidade, de direito de
viver em cima de sua terra... É uma bomba pra vida de qualquer ser humano... O
que aconteceu com o povo Suruí é uma história pro resto da vida e para o
mundo... Para que nenhum indígena faça este tipo de projeto em sua terra... Não
tem pra quem falar o que aconteceu com o povo Suruí. O povo tá sem vida.
Queremos a supressão do projeto”.
Após
alguns depoimentos de caciques Suruí, Dra. Deborah Duprat ponderou: “Quero ser
muito honesto com vocês. Temos um problema muito sério com o projeto de
sequestro de carbono Suruí. A 6ª Câmara aconselhou que não aceitassem o
projeto. O contrato foi assinado e, portanto, continua válido. Pelo
funcionamento da Justiça será preciso provar que não está sendo cumprido o que
foi pactuado. Posso garantir a vocês que o MPF irá se empenhar para que haja
uma rigorosa e profunda avaliação do projeto e suas consequências em termos de
violência gerada, conflitos graves que podem levar a mortes e apropriações
indébitas dos recursos, e a quem beneficiam. Vou solicitar a Funai que ela proceda a um levantamento detalhado para
embasar futuras decisões. Será preciso analisar e discutir com todas as
comunidades os termos do contrato. Vamos investigar, e vocês façam a parte de
vocês”. E ainda deixou bem claro: “O ministério público não fará nenhuma
ingerência na questão interna do povo, pois quem melhor pode impedir esse
projeto são vocês”.
Ficou evidenciado, após mais de
duas horas de debates e esclarecimentos que as consequências perversas desse
tipo de projeto devem servir como aprendizado e alerta para que não aconteçam
com outros povos indígenas. O importante é enxergar esse tipo de projeto como
parte de uma política do capitalismo verde e neocolonialismo. O Cimi, em nota
de fevereiro de 2012, denunciou veementemente a insistência de implantação de
projetos de REDD nos territórios indígenas, a partir dos direitos e da visão
desses povos “esses projetos transformam a natureza em mercadoria, a gratuidade
em obrigação, a mística em clausula contratual o bem estar em supostos
‘benefícios do capital’. É a mercantilização do sagrado e a coisificação das
relações humanas em interface com o meio ambiente” por isso “quer juntar-se aos
demais setores organizados que dizem NÃO à financeirização da natureza, NÃO à
economia verde e NÃO ao mercado de carbono” (Porantim, setembro de 2014).
No documento
entregue ao Ministério Público federal ressaltam as preocupações e fazem seu
apelo:
“Nossa preocupação é dobrada quanto
aos projetos de REDD (captura de gás carbono), que vem ameaçando a existência
dos povos indígenas, em especial o povo Suruí, que já se encontra com projeto
implementado, autorizado pela FUNAI, em parceria com a ONG Canindé que articula
o projeto em terras indígenas, o IDESAN, que faz o levantamento do carbono, o
ECAN, e a Forest Trand - organização norte-americana; Esses projetos ameaçam a
vida e a existência dos povos que ficam impossibilitados de realizar a produção
agrícola, a coleta de mel, a caça, a pesca, bem como a reprodução cultural.
Esse projeto já em andamento no território Suruí e tem provocado uma divisão e
uma fatal destruição da organização social do povo, acarretando inclusive
riscos de violência entre os povos;
No território do povo Cinta Larga
também está em curso a implementação do Projeto, já aprovado, para captura de
gás carbono;
Exigimos urgentemente a suspensão
e posterior cancelamento do Projeto de captura de Gás Carbono no território
indígena Suruí e Cinta Larga e o impedimento de implementação de qualquer
projeto que visa esse tipo de exploração em todos os territórios indígenas no
estado de Rondônia e no Brasil;
Enfatizamos a responsabilidade da
FUNAI pela implementação do Projeto Carbono no território Suruí, mesmo não
havendo legislação que prevê tal iniciativa;
A guerra da terra e da saúde
A grave situação das terras, seja
através das invasões dos grandes projetos e variados interesses econômicos, bem
como a paralização dos processos de reconhecimento das terras indígenas, aliado
a iniciativas contra os direitos indígenas na Constituição, como a PEC 2015,
isso tudo é um decreto de guerra contra os povos indígenas, por parte do Estado
brasileiro.
Com relação às paralisações, Dra.
Deborah salientou que o Ministério público pressionou a Funai a dar passos com
relação aos procedimentos demarcatórios em curso e que estavam pensando em
termos de ajustamento de conduta para cobrar a continuidade dos processos.
Quanto à PEC 2015 informou já terem sido tomadas medidas quanto à inconstitucionalidade
da mesma.
No documento entregue à
coordenadora da 6ª Câmara ressaltam: “Outro grande problema enfrentado por nós,
povos indígenas de Rondônia e Mato Grosso, é o uso de agrotóxico no entorno de
nossos territórios, que vem afetando gravemente a saúde do nosso povo, além de
comprometer a nossa biodiversidade, reduzindo os peixes dos nossos rios, as caças de nossas
florestas, e de contaminar a água que consumimos”.
Quanto à saúde denunciam a total desassistência e expressam sua posição
contrária à criação da INSI (Instituto Nacional de Saúde Indígena.). Dra.
Deborah acrescentou: “Se a saúde indígena está ruim, vai ficar pior”.
Egon Heck -Cimi Secretariado
Brasília, 24 de fevereiro de 2015