“Quando estão desarquivando a PEC 215 estão declarando
guerra aos povos indígenas do Brasil. Vamos mostrar que estamos prontos para a
guerra”. Essa declaração feita por um
dos caciques Kayapó na audiência com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha,
calou fundo no coração e sentimentos de todos os que estavam sentados na sala
da Presidência. Tudo que acontecer daqui pra frente, não o será por falta de
aviso.
Acabar com a PEC 215
“Acabar com a PEC 215, é isso que estamos pedindo. Cada vez
mais o governo está sendo inimigo dos povos indígenas”. Disse em alto e bom
tom, na língua Kayapó, um dos cinco caciques participantes da audiência. E
arrematou: “Estão querendo acabar com a gente. Mas isso não vamos deixar”. O
recado foi claro e contundente: em 2015 nada de PEC 215.
Um batalhão de representantes da imprensa apenas pôde
registrar o cenário por breves segundos.
Eduardo Cunha, que depois tentou explicar sua posição, não poderá dizer
que não foi avisado. Caso houver insistência na aprovação do projeto de emenda
constitucional, “semanalmente estarão delegações dos índios de todo o país para
impedir que isso aconteça”, afirmou outro cacique. Esta afirmação foi endossada
por parlamentares presentes, como Sarney Filho que afirmou que “a correlação de
forças é injusta. Caso houver insistência na aprovação dessa PEC, que não deveria
existir, semanalmente teremos delegações indígenas aqui para chamar atenção para
essa fratura exposta”.
O cacique Mekren, verberou com gestos incisivos: “Peço, por
favor, acabar com esse projeto que vocês estão desengavetando. Peço para acabar
com isso”. Outro cacique complementou: “Não é nós que estamos caçando briga com
vocês. É vocês que estão caçando briga com nós. Deveria ter o mínimo respeito
com nós, porque você fez acordo com os ruralistas...”.
O deputado Chico Alencar lembrou que os índios estão fazendo
a leitura de que a Constituição foi como um contrato histórico que querem
quebrar com essa PEC. “Eles não aceitam esse ataque. Aliás, essa PEC não deveria
existir. Nós estamos declarando guerra a eles. Vamos evitar o genocídio”.
Disse que não fez
Em pouco mais de 20 minutos os Kayapó não deixaram dúvidas
quanto à sua disposição de continuar lutando contra a referida PEC. No terceiro
dia de trabalho da nova legislatura, os índios deram seu recado. O novo
presidente da Câmara, que no último dia de janeiro se filiou à frente
ruralista, tentou explicar sua posição enquanto presidente da Câmara. “Não
tenho condições de barrar essa PEC e a formação de uma nova Comissão. É uma
questão regimental. É só algum deputado pedir o desarquivamento e ela passará a
tramitar conforme determina o regimento interno da Casa”. Em tom de desabafo: “Não
fui eu que fiz essa PEC, que criou a Comissão. Só cumpro o regimento. Não tenho
poder de acabar com essa PEC, não tenho competência para não desarquivá-la”.
Afirmou ainda que não fez acordo com os ruralistas.
Dessa forma disfarçou o fato de que o desarquivamento já
havia sido solicitado dia 3 deste mês. Os parlamentares solidários com a causa
e direitos indígenas insistiram com o presidente da Câmara para que o tema
seja melhor discutido com a sociedade e que não haja açodamento nos
encaminhamentos dessa PEC, que se façam encontros com os ruralistas no sentido
de encontrar alternativas , como a indenização dos títulos de propriedades de
boa fé. Outro parlamentar ressaltou que está se fazendo uma espécie de
terrorismo entre os ruralistas afirmando estar se criando terras indígenas
aleatoriamente. O que não é verdade. Esse risco não existe.
No final, Eduardo Cunha concluiu dizendo se empenhar para a
construção de diálogos e consensos. E deixou seu recado: “Vocês devem fazer
isso civilizadamente”.
Lutas heroicas dos
Kayapó pelos direitos indígenas
Lembro do momento histórico em que os Kayapó pediram que o
Cimi os ajudasse apenas com hospedagem, que eles viriam a Brasilia para se unir
aos demais povos indígenas na luta pelos direitos na Constituinte. Foram
momentos inesquecíveis em que não houve guardas que os barrassem para exigir os
direitos em qualquer espaço do Congresso. Isso nos idos tempos de 1987 e 1988.
Passados mais de 25 anos e aqui estão eles novamente. Desta vez, quando se
imaginava que os direitos estivessem sendo respeitados e colocados em prática,
eles retornam ao cenário da luta, para evitar que haja retrocesso ou mesmo
perda de direitos constitucionais.
É lamentável que o Brasil, após aprovar uma das constituições
mais avançadas à época, com relação aos direitos indígenas, em especial, se
encontre na deplorável situação de querer excluir ao invés de cumprir esses
direitos.
Como no início do século XIX, na interpretação dos povos
indígenas, está em curso nova declaração de guerra aos povos indígenas do
Brasil.
Egon Heck
Cimi secretariado
Brasília, 5 de fevereiro de 2015