ATL 2017

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sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil




“Quando estão desarquivando a PEC 215 estão declarando guerra aos povos indígenas do Brasil. Vamos mostrar que estamos prontos para a guerra”.  Essa declaração feita por um dos caciques Kayapó na audiência com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, calou fundo no coração e sentimentos de todos os que estavam sentados na sala da Presidência. Tudo que acontecer daqui pra frente, não o será por falta de aviso.


Acabar com a PEC 215
“Acabar com a PEC 215, é isso que estamos pedindo. Cada vez mais o governo está sendo inimigo dos povos indígenas”. Disse em alto e bom tom, na língua Kayapó, um dos cinco caciques participantes da audiência. E arrematou: “Estão querendo acabar com a gente. Mas isso não vamos deixar”. O recado foi claro e contundente: em 2015 nada de PEC 215.
Um batalhão de representantes da imprensa apenas pôde registrar o cenário por breves segundos.  Eduardo Cunha, que depois tentou explicar sua posição, não poderá dizer que não foi avisado. Caso houver insistência na aprovação do projeto de emenda constitucional, “semanalmente estarão delegações dos índios de todo o país para impedir que isso aconteça”, afirmou outro cacique. Esta afirmação foi endossada por parlamentares presentes, como Sarney Filho que afirmou que “a correlação de forças é injusta. Caso houver insistência na aprovação dessa PEC, que não deveria existir, semanalmente teremos delegações indígenas aqui para chamar atenção para essa fratura exposta”.

O cacique Mekren, verberou com gestos incisivos: “Peço, por favor, acabar com esse projeto que vocês estão desengavetando. Peço para acabar com isso”. Outro cacique complementou: “Não é nós que estamos caçando briga com vocês. É vocês que estão caçando briga com nós. Deveria ter o mínimo respeito com nós, porque você fez acordo com os ruralistas...”.
O deputado Chico Alencar lembrou que os índios estão fazendo a leitura de que a Constituição foi como um contrato histórico que querem quebrar com essa PEC. “Eles não aceitam esse ataque. Aliás, essa PEC não deveria existir. Nós estamos declarando guerra a eles. Vamos evitar o genocídio”.

Disse que não fez
Em pouco mais de 20 minutos os Kayapó não deixaram dúvidas quanto à sua disposição de continuar lutando contra a referida PEC. No terceiro dia de trabalho da nova legislatura, os índios deram seu recado. O novo presidente da Câmara, que no último dia de janeiro se filiou à frente ruralista, tentou explicar sua posição enquanto presidente da Câmara. “Não tenho condições de barrar essa PEC e a formação de uma nova Comissão. É uma questão regimental. É só algum deputado pedir o desarquivamento e ela passará a tramitar conforme determina o regimento interno da Casa”. Em tom de desabafo: “Não fui eu que fiz essa PEC, que criou a Comissão. Só cumpro o regimento. Não tenho poder de acabar com essa PEC, não tenho competência para não desarquivá-la”. Afirmou ainda que não fez acordo com os ruralistas.
Dessa forma disfarçou o fato de que o desarquivamento já havia sido solicitado dia 3 deste mês. Os parlamentares solidários com a causa e direitos indígenas insistiram com o presidente da Câmara para que o tema seja melhor discutido com a sociedade e que não haja açodamento nos encaminhamentos dessa PEC, que se façam encontros com os ruralistas no sentido de encontrar alternativas , como a indenização dos títulos de propriedades de boa fé. Outro parlamentar ressaltou que está se fazendo uma espécie de terrorismo entre os ruralistas afirmando estar se criando terras indígenas aleatoriamente. O que não é verdade. Esse risco não existe.
No final, Eduardo Cunha concluiu dizendo se empenhar para a construção de diálogos e consensos. E deixou seu recado: “Vocês devem fazer isso civilizadamente”.

Lutas heroicas dos Kayapó pelos direitos indígenas

Lembro do momento histórico em que os Kayapó pediram que o Cimi os ajudasse apenas com hospedagem, que eles viriam a Brasilia para se unir aos demais povos indígenas na luta pelos direitos na Constituinte. Foram momentos inesquecíveis em que não houve guardas que os barrassem para exigir os direitos em qualquer espaço do Congresso. Isso nos idos tempos de 1987 e 1988. Passados mais de 25 anos e aqui estão eles novamente. Desta vez, quando se imaginava que os direitos estivessem sendo respeitados e colocados em prática, eles retornam ao cenário da luta, para evitar que haja retrocesso ou mesmo perda de direitos constitucionais.
É lamentável que o Brasil, após aprovar uma das constituições mais avançadas à época, com relação aos direitos indígenas, em especial, se encontre na deplorável situação de querer excluir ao invés de cumprir esses direitos.
Como no início do século XIX, na interpretação dos povos indígenas, está em curso nova declaração de guerra aos povos indígenas do Brasil.

Egon Heck
Cimi secretariado
Brasília, 5 de fevereiro de 2015

Kayapó vem a Brasília exigir seus direitos



Uma delegação de mais de 50 indígenas Kayapó  das Terras Indígenas Mekragnotire e Baú, do sul do Pará, município de Bom Progresso está em Brasília para cobrar das autoridades seus direitos constitucionais e as promessas feitas e não cumpridas.
Quando chegaram em frente ao Congresso não demoraram a chegar os primeiros interlocutores, os policiais. Logo um ar de nervosismo se espalhou pelos espaços do poder, ainda sob o impacto das reações de dezembro do ano passado, quando conseguiram evitar a aprovação do relatório da Comissão especial da PEC 215.
Astutamente conduziram os indígenas até uma sombra distante da portaria de entrada do anexo 2, com a promessa de que iriam ver a questão da conversa que os Kayapó estavam solicitando com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A ele queriam perguntar as razões e consequências de suas declarações com relação ao apoio aos ruralistas, em detrimento dos direitos indígenas. “Queremos ouvir sua palavra”, afirma os indígenas em documento que gostariam de ter entregue ontem ao deputado Eduardo Cunha. Após mais de duas horas de espera, enquanto acontecia a reunião dos líderes dos partidos na Câmara, finalmente uma informação transmitida pelo deputado aliado da causa indígena, Chico Alencar “O presidente está muito atarefado, mas vai receber uma delegação de 5 lideranças amanhã às 15 horas.
Cobrando promessas exigindo direitos
A agenda da delegação é ampla. “os brancos não cumprem as leis que eles mesmos criam...Vamos brigar apelos nossos direitos até o fim”, manifestaram por ocasião do fechamento da BR 163, em anos passados. Esse histórico de luta dos Kayapó ficou nacionalmente conhecido, especialmente por ocasião da Constituinte, em 1988 quando estiveram frequentemente em Brasilia lutando ao lado dos demais povos indígenas do país. Na década de 80 para cá enfrentaram muita pressões e invasão de seu território, principalmente de parte de madeireiros e, fazendeiros e garimpeiros.
Na agenda dos encontros desejados consta uma  conversa com a presidente da República, Ministro da Justiça, Ministros do Meio Ambiente e Transporte, além da Procuradoria Geral da República.
Além disso irão questionar a construção de PCHs(hidrelétricas de pequeno porte) em seu território. Também querem saber a posição dos diversos órgãos e as ações com relação à Hidrelétrica de Belo Monte. Os Kayapó tem se manifestado criticamente e contrários à obra, desde o primeiro grande encontro contra a obra, em 1989.
Recebidos pela polícia
Uma questão de causa estranheza é o grande aumento de seguranças contratadas na legislatura anterior e o fato da segurança estar encarregada de fazer a interlocução com as delegações indígenas. Comentava o assessor de um dos partidos, que é inacreditável que a Câmara não tenha pessoas que façam essa interlocução  política, uma vez que não se trata de relação com povos  que em nada representam ameaças aos poderes constitucionais. É hora da presidência da Câmara instituir uma comissão para tratar com as lideranças indígenas,  pois essa não é função dos seguranças da casa.
Barrados na entrada da Câmara
Suspense e agitação se espalhou rapidamente com a presença dos índios. Enquanto os indígenas aguardavam resposta da audiência com o novo presidente da Câmara, o secretário e ex-secretário do Cimi, foram barrados na entrada do anexo 2. Sem justificativa e de forma arbitrária, a segurança da “casa do povo”  simplesmente se restringiu dizendo estar cumprindo ordens.” É absurdo e inaceitável que esse tipo de arbitrariedade continue existindo, impedindo cidadãos desse país a estar num espaço que a Constituição lhes garante.”, comentou o secretário do Cimi, enquanto aguardava que o presidente do partido, com o qual iriam ter reunião, conseguisse liberar a entrada. Infelizmente parece que os movimentos sociais terão cada vez mais dificuldade de acesso aos espaços do diálogo e do poder.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasilia, 4 de fevereiro de 2014