A ansiedade e disposição eram grandes. Os guerreiros, rezadores e famílias estavam
esperando, agoniados, os ponteiros
juntos apontarem para as estrelas. Esse era o horário que os deuses, através
dos nhanderu (líderes religiosos) haviam marcado para o retorno ao
território tradicional. Resolutos marcham para a terra sagrada. Com a proteção
divina e a certeza de que esse gesto extremo era a única alternativa que lhes
restava. Contavam com a solidariedade de amigos e aliados do mundo inteiro.
O
sonho de Marçal e Dorvalino
Na noite de 25 de novembro de 1983, na aldeia de
Campestre, munícipio de Antônio João, Marçal Tupã’i foi covardemente
assassinado. Seu sonho era ver a terra de seu povo e de outras aldeias terem
seus tekoha (terras tradicionais) demarcadas. Dezenas de crianças e adultos
foram mortos por atropelamentos, fome, e toda sorte de violência.
A Aty Guasu já se manifestou: “Nosso tekoha
finalmente acordou e se revestiu mais uma vez do sonho de Marçal. Alimentados
por esse sonho, quase 300 indígenas já retornaram a terra, no momento na
Fazenda Primavera”. As vozes de Nhanderu Marangatu, que por motivos de
segurança não querem ser identificadas denunciam: “As mãos que nos alimentavam
e eram amigas enquanto estávamos sem a terra são as mesmas que apertam os
gatilhos e ordenam nossa morte quando queremos nossa terra de volta”.
Em nome
de Hamilton Lopes que faleceu em 2012, de Marçal de Souza, assassinado em 1983,
Dorvalino, assassinado em dezembro de 2005, de Dom Quitito, que morreu em abril
de 2000 e de todos os heróis guerreiros e inocentes crianças que morreram e a
todos os que deram sua vida para que o sonho da terra, paz e dignidade se
tornassem realidade.
Dez anos
após a homologação da terra e do despejo, dez dias após o encontro com o
ministro da Justiça e visita a gabinetes do STF, e uma semana após ruralistas
da região afirmarem que não existiam conflitos na região.
“Pisaram em cima de nós
Mas ainda temos raiz,
Vamos brotar, crescer
E dar frutos”
(Hamilton Lopes, 15 de dezembro
de 2005)
Por volta das 9 horas chega um contingente policial
para expulsar os índios de seu tekoha. Algumas dezenas de indígenas e aliados
haviam feito uma vigília a noite toda.
Haviam se concentrado ao lado da rodovia, na aldeia de Campestre. Várias
viaturas foram chegando e trancando a rodovia. Fortemente armados, com
cachorros e um helicóptero sobrevoando o local. Os rasantes de um helicóptero
amedrontaram, principalmente as crianças, que em pratos, escondiam seus rostos
a cada investida da aeronave.
Veja vídeo
Os policiais foram ao encontro dos indígenas. As
lideranças tentaram demovê-los do despejo. Uma professora indígena suplicava
que não os expulsassem, eles também eram gente e apenas estavam defendendo o
que tinham de mais sagrado, sua terra.
Suas súplicas não foram atendidas: “Estamos aqui
cumprindo ordem”.
Sequer haviam se cumprido as formalidades da
expulsão, com a presença do Ministério Público, através do procurador Charles
Pessoa, e os fazendeiros e seus capangas foram colocando fogo nos barracos dos
indígenas, tendo alguns sido queimados com os documentos e todos os pertences
dentro.
“O que
pensam que somos,
Esses que
fazem isso conosco,
Que somos
animais ou traficantes,
Para
virem tirar nós daqui
Com fortes
armas?
Não
precisavam” (Hamilton)
História
da violência e resistência
Quando a expulsão
ocorreu era manhã. A comunidade, atônita, não queria acreditar que tinham sido expulsos
de sua terra. Mas o inacreditável aconteceu. Mais de 500 índios foram
despejados para a beira da estrada, naquele fatídico dia 15 de dezembro.
Começava então um longo caminho de sofrimento, luta e resistência. Dez dias
depois, véspera de Natal, um segurança de uma milícia armada, contratada pelos
fazendeiros, assassinou, próximo ao acampamento e dentro da terra indígena, a
liderança Dorvalino.
Dois dias depois do despejo uma delegação indígena
foi até Brasília para denunciar mais essa violência. Na capital federal era
tempo de não trabalhar, tempo de recesso. Porém, conseguiram em alguns
gabinetes do Supremo Tribunal Federal a promessa de que na volta aos trabalhos,
a ação seria julgada com urgência. No INCRA a comissão recebeu a promessa de
que os 50 não indígenas que estavam na localidade Campestre, dentro da terra
indígena, seriam reassentados, a partir de janeiro de 2006. Passaram-se dez
anos e absolutamente nada aconteceu.
Em junho de 2005 o presidente Lula havia homologado
a demarcação da terra indígena Nhanderu Marangatu, de 9.300 hectares. Em
seguida, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, anulou,
liminarmente, a homologação. A partir daquele momento a população Kaiowá
Guarani desta terra passou por uma década de sofrimentos e mortes, confinados
em 126 hectares.
As comunidades declaram assim: “hoje depois de
esperar mais de 18 anos de posse de tekoha reocupamos definitivamente, aqui
reocupamos nossa terra e não vamos mais sair de nossa terra Marangatu. Nós
estamos aqui ameaçados de morte, cercado de pistoleiros armados, mas não vamos
recuar. Decidimos lutar e morrer pela nossa terra. “Informamos a todas as
autoridades federais que reocupamos a nossa terra tekoha Nhanderu Marangatu,
daqui não saímos nem vivos e nem mortos". (site Aty Guasu, 22 de agosto de
2015)
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília 22 de agosto de 2005.
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