ATL 2017

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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Caminhada – rumo a Terra Ronca




Quando os caminhantes da “troca de saberes” foram definindo seu roteiro, não tiveram dúvidas. Deixaram se embalar pelas energias da região conhecida por Terra Ronca, em função dos ruídos naquela caverna e também pelo Parque Estadual do mesmo nome. Seria ali que em torno de 60 pessoas iriam se encontrar e traçar os caminhos a serem percorridos. Região de muitas belezas, com mais de 60 cavernas, muitos rios e lindas cachoeiras. Era ali que iriam morar por alguns dias os sonhos caminhantes de gente de  diversas regiões do país, mais especificamente de Goiânia,  Pernambuco e Tocantins.
Após percorrer grandes distâncias, é hora de experimentar o pó da região, acampar à beira da cachoeira de São Bernardo. Delícia para quem vem da secura do sertão, curtição para quem vem das regiões de águas e rios poluídos, sem precisão.
Não foram  feitos grandes percursos a pé. Apenas o suficiente para sentir as energias da região que foi  impactada pela agropecuária, felizmente em recesso.

Alegria e calor do encontro e reencontro

Um dos aspectos importantes, durante o caminho é  sentir-se e sentir o outro. Os abraços demorados e calorosos,  são carregados da alegria e felicidade do reencontro. Também os novos caminhantes são incorporados à roda da vida com muita esperança. Como o grupo era grande e a noite já ia avançada, foi sugerido que apenas se cumprimentasse com abraço, aos novos membros.  Não houve jeito. Todos se tornaram novos e os abraços foram gerais, no pé das montanhas gerais.

Do ventre da mãe terra

Me senti no ventre da mãe terra, ao ser envolto na beleza da caverna de São Bernardo. Foi como adentrar a escuridão da noite em pleno meio dia. Sentir a cada passo a leveza da água escorrendo pelos pés, os olhos ofuscados com a suavidade da luz dos carburetos e lanternas deslumbrando  o encanto, quase em pranto, a cada nova maravilha. Quando brilhavam os estalactites e estalagnites, formando figuras, minha alma subia ao teto dos salões e se incorporava no festival de beleza.

Carona na Caravana da paz e Enca

Após percorrer caminhos  pela natureza, do cerrado restante,  instantes de partilha e reflexão. Fomos juntando nossos parcos conhecimentos com os sentimentos que foram brotando da realidade sentida, num belo festival da vida em pleno  chão esturricado pela seca.  Gratidão. Essa é talvez a melhor expressão dos nossos sentimentos.
Quando  estávamos buscando uma forma de encerrar nossa caminhada com chave de ouro, na caverna Angélica, distante mais de 30 km de Terra Ronca, eis que surge a inconfundível Wipalla, um locomóvel a serviço da Caravana da Paz, que há 30 anos iniciou no México e continua viajando e propiciando momentos de formação pelas Américas, tendo sempre como horizonte a construção de uma cultura da Paz.
Nossa caminhada estava precedendo a realização do 39º Encontro Nacional de Comunidades Alternativas – ENCA.  Esse é um dos momentos  de socialização e intensificação da  alternativas já encontradas, diante do fracasso do modelo capitalista que se pretende impor em todo o planeta. É um modelo necrófilo que só gera sofrimento e destruição.


Fica sempre um pouco de perfume

Quando a caminhada vai terminando já começa a saudade. Aquele gosto gostoso de quem deixou um pouco de si e acolheu em seu coração tantas vidas, alegrias e belezas. Caminhar é preciso. Partilhar solidariamente vida e caminho, também.
Já na despedida, em pleno caminho, recebemos e socializamos, a linda carta enviada por Samara (TO) : “A todos caminhantes sou grata a cada um que esteve comigo me proporcionou carinho, afeto e amizade... e  por me ensinar que cada dia deparamos com diversidades e me mostraram que, quando acreditamos em nós tudo deixa de ser impossível é se torna possível de acontecer dependendo de qual for objetivo. A força está dentro de nós basta deixar fluir pensamentos sinceros que o sucesso da vida é a vitória.
                Para mim foi uma caminhada sensacional, ter conhecido cada uma de vocês... como diz: Charles Chaplin cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso.
                Em poucas palavras quero demonstrar meu imenso carinho e amor, mesmo que alguns de vocês eu nunca mais encontre na caminhada da vida...quero que saiba que cada um foi importante para mim. Que Deus retribui, pois nunca poderei retribuir tanta gentileza. Grata por tudo! Eu caminhei e caminhei e caminhei ... que todos fazem uma boa caminhada.
Ps; espero estar na próxima caminhada rs ...
Gratidão!  Beijos e Beijinhos com carinho de Samara Kelly)  Palmas 10/07/ 2015 Awire soré ...
Egon, Laila e Silésia
Brasília, 30 de julho de 2015


quinta-feira, 30 de julho de 2015

Tupã abençoe Francisco


Naquela noite memorável, no calor úmido da Amazônia se deu o encontro que marcaria as lutas dos povos indígenas nas próximas décadas. O Papa se encontrou com um grupo de lideranças indígenas de todo o país.  Ouviu atentamente as falas, interrompidas por longos aplausos.  Ao manifestar seu sentimento diante da dura realidade exposta, o fez reconhecendo os povos indígenas como nações. “Assim se respeitará e favorecerá a dignidade e a liberdade de cada um de vocês como pessoa humana e de todos como como um povo e uma nação”. Era 10 de julho, tempo de verão e esperança na Amazônia.

Julho de 1980 – Papa João Paulo II se encontra com os índios em Manaus

“Somos massacrados, explorados e tendo estradas que traçam em nossas terras, que prejudicam o índio por doenças e diversos problemas que não haviam antes entre nós; estamos sendo acabados por projetos, empresas e invasores que roubam nossas vidas, tomando nossa terra e  nos expulsando delas, sendo nós os donos dessa  pequena e única ponto final em nossa cultura e nossos direitos...
Santidade, olhai para esse povo que está desaparecendo, queremos os nossos direitos, somo humanos também” (Carta dos povos indígenas ao Papa).
Marçal Tupã’i Guarani ergueu a cabeça, fixou seu olhar atento na figura toda de branco e fez uma denúncia que correu o mundo, e os mais recônditos lugares do país. “Somos uma nação subjugada pelos governantes, uma nação espoliada, uma nação que está morrendo aos poucos... Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas... A nossa voz é embargada por aqueles que se dizem dirigentes desse grande país”. Tentaram calar a sua voz. O assassinaram friamente três anos depois. Mas não conseguiram matar seus sonhos, embargar suas lutas. A Terra Indígena Pirakuá está lá, regularizada. A TI Nhanderu Marangatu está com a homologação embargada no Supremo Tribunal Federal. Até quando?

10 de Julho 2015 – Papa Francisco se encontra com os movimentos sociais e índios, na Bolívia

Trinta e cinco anos e um dia depois do histórico encontro em Manaus, novamente um índio Guarani-Kaiowá se encontra com o Papa, para clamar por justiça e direito à vida em paz e dignidade.
Desta vez foi Eliseu Kaiowá o escolhido para estar na mesa com o Papa, entregando-lhe uma carta em nome dos povos indígenas do Brasil.


“Amado Papa Francisco. Nós, povos indígenas do Brasil, sofremos um processo de ataque violento contra nossas comunidades, nossas lideranças e nossos direitos. Nós, Guarani-Kaiowá, vivemos no estado do Mato Grosso do Sul. Enfrentamos as piores condições de vida, sofremos a violência mais profunda e uma situação de maior vulnerabilidade social e cultural no país. Somos cerca de 45 mil pessoas e vivemos no exílio, fora de nossas terras, que se encontram invadidas por fazendeiros, que delas nos expulsaram em passado recente com o apoio do Estado brasileiro” (Carta entregue ao Papa Francisco Por Eliseu Guarani Kaiowá).
“Ele me recebeu com um sorriso, estendeu a mão e me escutou, coisa que a presidente e os governantes brasileiros, mesmo sabendo de nossa situação, nunca fizeram e se negam a fazer. Eu pedi a ele que interceda por nós, que ajude a fazer o Governo Brasileiro cumprir a Constituição e demarcar nossos territórios, que o próprio Poder Executivo paralisou. Disse que por causa disso, em todo Brasil, e em especial no Mato Grosso do Sul, vivemos em guerra, que estamos morrendo, sendo massacrados por pistoleiros armados e pelos políticos do agronegócio, que sobre nós existe um verdadeiro genocídio. Pedi pelo futuro de nossas crianças e velhos, para que possam continuar existindo” (Eliseu Kaiowá). Ameaçado por estar lutando pela terra e direitos de seu povo, vive numa das aldeias, Kurusu Ambá, onde dezenas de indígenas foram assassinados nos últimos anos, após o retorno a parte do território tradicional.

A luta e a esperança Guarani crescem

Os gritos de socorro fazem coro nas selvas de pedra e nas terras devastadas pelo capital. Mais um julho marcado pelo grito, a dor e a resistência:
“Falamos com o Papa, gritamos em Paris, às consciências ainda não adormecidas. Retomamos pequenas partes de nossos tekohá, territórios tradicionais. Redigimos documentos, estivemos com autoridades, fizemos manifestações em Brasília, num supremo esforço para que haja justiça, vingue a paz e a esperança. Realizamos mais uma Grande Assembléia/Aty Guasu, e estamos realizando mais um encontro continental do nosso povo”.
Julho especial.  O clamor corre o mundo. A esperança se lança à frente.  Em Paris, representantes desse povo denunciam. Eles afirmam que estas mortes são perpetradas por milícias privadas contratadas por grandes proprietários de plantações de soja e cana.

“Estamos vivos, mas estão nos matando pouco a pouco e de várias maneiras”, afirmou o cacique Vilharva-Cáceres. “Estamos aqui para pedir socorro e ajuda, não apenas pelas florestas e pela natureza, mas também pela vida”, afirmou em coletiva de imprensa Valdelice Veron. "Nós demarcaremos nosso território com nosso próprio sangue se for preciso” (Le Monde 24/07/2015).
Grande encontro Continental Guarani acontece nesses dias na Argentina. É mais um momento importante em que esse povo tão ameaçado e massacrado nos cinco países em que vivem mais de 350 mil Guarani, trace suas estratégias para garantir seus direitos, especialmente a seus territórios.
Apesar de todo ódio e discriminação que sofrem diariamente, das ameaças constantes, das ordens de despejo, e toda sorte de violência, a esperança, resistência e a luta avançam. E nessa caminhada precisam cada vez de mais solidariedade e apoio.
Que Tupã abençoe o Papa Francisco e todos aqueles que lutam pela vida no planeta terra e em especial pelos Kaiowá Guarani. Pedir perdão é comprometer-se com a transformação.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional

Brasília, 29 de julho de 2015.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Brasil campeão



Jogos Mundiais dos Povos Indígenas

“A presidenta Dilma Rousseff participou da cerimônia e garantiu presença na abertura, em outubro. Para o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, os jogos ajudam a projetar o Brasil no cenário internacional. "Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas são mais um gesto nosso no sentido de se abrir para o mundo, mostrando a nossa capacidade de oferecer oportunidades a todos de crescer, se desenvolver e se alegrar", afirmou Alves. Segundo ele, o evento ressalta características positivas do país. "Mostramos um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças", afirmou. É a primeira vez que um evento esportivo-cultural reúne uma diversidade tão grande de etnias.”(Jornal do Turismo 24/06/15)
Depois de muitos revezes, finalmente um  chance de ser campeão. Acrescente violência contra os povos indígenas, com centenas de assassinatos de lideranças, nos últimos anos;  a tentativa de suprimir direitos indígenas da Constituição; as leituras e decisões reducionistas a partir do “marco temporal”; as condicionantes da Raposa Serra do Sol, sendo estendidas para demais processos de regularização de terras indígenas; as inúmeras iniciativas no Congresso (quase um centena de projetos contra os direitos indígenas), visando impedir o reconhecimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas; poderíamos continuar perfilando um rosário de ações e omissões do Estado brasileiro, que o habilitam a ser campeão de violências e violações dos direitos indígenas.
Como dantes, em dois tempos/momentos o país assumiu o reconhecimento e regularização de todas as terras indígenas (Estatuto do Índio/1973 e Constituição federal/1988), prazos esses olimpicamente descumpridos, e mais recentemente o próprio presidente Lula se comprometeu realizar todas as demarcações de terras indígenas  e não fez quase nada neste sentido. Chegou a vez da presidente Dilma fazer um gol. Ao que tudo indica, será um gol contra.
Mas ainda é tempo. Restam quase três meses para que uma força tarefa, como jamais vista neste país,  como jamais vista neste país, mobilizando toda a sociedade e o Estado brasileiro para o pagamento da dívida eterna, através da demarcação de todas as terras indígenas, possibilitando uma vida digna com autonomia e respeito aos projetos históricos desses povos. Só assim poderemos dizer que somos “ um Brasil democrático, que respeita a própria história e as diferenças”. Quem viver verá!

Povos Indígenas da Bahia exigem seus direitos

Com a mesma perplexidade da invasão primeira, há 515 anos, os Pataxó, Pataxó Hã-hã-hai, Tupinambá, dentre outros, estão agora no Brasil central, mais precisamente nas praças e palácios dos poderes em Brasília, para identificar os invasores, suas motivações e estratégias, para combate-los com maior eficácia e exigir seus direitos.
Movidos por uma grande força histórica de resistência e espiritualidade, seus rituais estarão inundando os diversos espaços do poder e seus braços de dominação e corrupção. Sua pauta principal é a regularização de seus territórios e uma saúde de qualidade, diante do descalabro em que a Sesai transformou o atendimento a esses povos.

Egydio, com ou sem título, cidadão amazonense

È um dos guerreiros destacados desse país, Egydio ,talvez mais do que qualquer outro cidadão desse Brasil, ´foi e é um aguerrido lutador pela vida, um intrépido e incansável defensor dos povos indígenas,  inflexível e radical defensor da natureza, em especial da Amazônia. Mais do que merecedor de cidadão de uma região, é cidadão do Brasil e do mundo.

Batalhador e um dos articuladores da OPAN e do Cimi, Egydio sempre buscou se inserir na radicalidade dos processos de transformação dentro do Igreja e na sociedade. Foi e é um dos críticos ferrenhos das políticas do Estado brasileiro e sua nefasta política indigenista.  Com a mesma dedicação e radicalidade defende a importância das abelhas para a continuidade da vida no planeta Terra. Com Egydio partilhei, caminhos, sonhos e sofrimentos nestas veias abertas da América latina e em especial no Brasil. A ele nós do Cimi  temos muita gratidão e carinho pelo que já fez e continua fazendo pelos povos indígenas deste Pais e dessa Ameríndia, ainda na paixão. Com especial destaque para os Kiña-Waimiri Atroari, a quem dedicou momentos especiais de sua vida.


O gesto mais forte que me lembra nesse dia, o Egydio guerreiro, é seu gesto emblemático de queimar em praça pública, em Presidente Figueiredo, seu título de eleitor. Foi a expressão máxima que encontrou para externar sua revolta e indignação com o descalabro , malvadezas e acintes escabrosos da política local. Com ou sem título de eleitor e cidadão amazonense em seus 80 anos de vida, tens nosso total reconhecimento, admiração e apoio.
 Certamente essa nossa homenagem se estende com todo carinho a Dorothy, que igualmente deu a sua vida por essa causa.

Egon Heck
Cimi Secretariado nacional
Brasília 7 de julho de 2015