ATL 2017

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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Kaingang em Brasília: entre trancos e barrancos

Sentados sobre tocos de madeira, sob a sombra de um centenário pinheiro (pinus araucária), lideranças Kaingang, vão desfilando suas dores seculares e traçando as estratégias de luta pela terra, pela vida, pelas florestas e o meio ambiente.  Vão aquecendo seus corpos e corações nas chamas das grimpas, nas quais estão assando os deliciosos pinhões. Não falta a rodada do chimarrão que ajuda a aquecer as ideias e a indignação. Cenas comuns em meados do século passado.

Hoje, em Brasília, rodando pelos espaços dos Três Poderes, os guerreiros Kaingang do Rio Grande do Sul, sentem a aridez, não apenas do clima, mas dos corações endurecidos pela ânsia do poder e dos privilégios.  Os “brancos” que invadiram suas terras, derrubaram as florestas, poluíram os rios e rasgaram o ventre da mãe terra e de seus filhos, vociferam contra os índios acusando-os de terem terra demais, e que são indignos de continuar em cima das terras produtivas cobiçadas pelo agronegócio.




Revoltados, trilham os caminhos do diálogo, da escuta paciente, das falas iradas, da sensibilização e da conquista de solidariedade e alianças. Não é fácil. Como habitantes originários dessas terras brasis, sentem a dor sufocante da secular dominação, do desprezo e racismo, da invasão permanente de seus territórios, da sua cultura e autonomia.

Memória como arma

O povo Kaingang, é um dos povos do tronco linguístico Jê, guerreiros que ocupavam vastos territórios desse Brasil sul e central, que opuseram enérgica resistência à invasão de suas terras, recursos naturais, cultura e alma. Ainda hoje os povos desse tronco linguístico – como os Xavante, Xerente, Krahô, Kayapó dentre outros
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Com o avanço das frentes de ocupação e colonização, principalmente por alemães, italianos e poloneses, a partir do século 19, os Kaingang foram sendo empurrados para pequenas extensões de terra, verdadeiros confinamentos. Mesmo essas terras Kaingang demarcadas, foram sendo alvos de sucessivos esbulhos, principalmente a partir de meados do século 20.
A situação de invasão dessas reservas indígenas chegou a uma situação dramática na década de 1970, quando áreas como Nonoai estavam ocupadas por dez mil colonos e um mil indígenas Kaingang e uns poucos Guarani. O mesmo fenômeno se deu em praticamente todas as reservas indígenas do sul do país.  As invasões massivas eram estimuladas especialmente por governantes e políticos na certeza de que essas terras seriam tiradas dos índios e repartidas entre os colonos, fazendeiros e latifundiários.

O grito de revolta e libertação

“Ou nós morremos embaixo dos pés dos invasores, ou colocamos esses intrusos pra fora das nossas terras”. Essa foi a decisão tomada pelos Kaingang na década de 1970. De um conflito dos Guarani com invasores da terra indígena de Guarapuava-PR, em dezembro de 1977, foi a faísca que faltava para deflagrar o movimento de desintrusão das terras indígenas do sul do Brasil. A ação estratégica e guerreira de Nonoai foi emblemática.  Queimando seis escolas de brancos numa mesma noite, praticamente inviabilizaram a resistência dos invasores. O movimento de desintrusão se alastrou como fogo na restinga, em todas as reservas indígenas do Sul do Brasil. Milhares de famílias de não indígenas foram retiradas das áreas como um verdadeiro movimento de retomada das terras e libertação do aguilhão opressor.

Agora os Kaingang do Rio Grande do Sul, estão reorganizando o grito de revolta e luta para garantir seus direitos, especialmente suas terras. Dezenas de acampamentos indígenas clamam por providências urgentes. Diante da inércia e irredutibilidade dos Três Poderes, aos Kaingang resta o retorno às suas terras e a autodemarcação.

Fechando a rodovia em frente ao Palácio do Planalto, conseguiram marcar um encontro com o ministro-Geral da Presidência da República e outros representantes de ministérios. Infelizmente nada de mais concreto poderão levar para suas terras.  As ameaças a seus direitos continuam nos Três Poderes. Porém, a presença é uma forma de dizer em alto e bom tom, “não passarão sobre nossos direitos, a não ser passando sobre nossos cadáveres”.

A presença em Brasília, nessa semana, foi uma vitória importante da mobilização indígena nacional. Foi dada continuidade ao processo de resistência e luta definido pelo movimento indígena. Estiveram nas ruas, nas praças, nos ministérios, no Palácio do Planalto, na Câmara dos Deputados e no Senado, e também no Supremo Tribunal Federal. Pintaram seus corpos com os símbolos das metades Kaimé e Kainrukre, levaram flechas e bordunas, nessa guerra sem trégua, pelos seus direitos. Escreveram cartas, protocolaram documentos, exigiram respeito aos seus direitos e o cumprimento da Constituição e legislação internacional.

Apoiaram a iniciativa dos senadores que conseguiram 42 assinaturas (mais da metade) contra a PEC 215: “A confirmação de direitos de minorias não pode ficar suscetível a maiorias temporárias. A demarcação é um ato técnico e declaratório. É incabível trazer essa matéria para o âmbito do Congresso, um equívoco jurídico e politico, um atentado aos direitos dos povos indígenas”.
Entre trancos e barrancos, barreiras e policiais, burocracias e meias verdades, maldades incrustrados no poder adverso, seguirão lutando, com a força guerreira e a proteção de Topen. Seguirão preocupados para suas aldeias, mas com a certeza de mais um passo importante na conquista de seus direitos a um chão, no Rio Grande do Sul.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional

Brasília, 27 de maio de 2015.

sábado, 23 de maio de 2015

Eternamente interinos?


“Declare-se interino o presidente da Funai e se preciso for  o mesmo se repita  nas várias instâncias do órgão...assim estaremos acorrentando um incômodo órgão, cuja missão contraditória, é defender os índios  desde que não atrapalhem os interesses maiores que se encastelaram no Estadobrasileiro...” Um pesadelo. Uma realidade. O começo do fim? 

Num olhar de soslaio para mais de meio século de Funai, certamente poderíamos escrever alguns livros retratando uma trajetória marcada por mil e uma peripécias, nessa sua nobre missão de defender os povos indígenas e seus direitos, garantindo a proteção de suas vidas, sua cultura, seus territórios e bens materiais e imateriais.

Poderíamos começar pelo primeiro dia da Fundação Nacional do Índio. Antes só existiam os escombros do carcomido Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que havia se transformado no maior antro de corrupção e violência da história desse país. A nascente Funai herdou de seu antecessor em torno de 700 funcionários. Destes, no dizer do procurador Jader de Figueiredo, que presidiu a comissão de sindicância do SPI em 1967, talvez uns 10 não estariam incluídos na lista de irregularidades em sua atuação. Naquele primeiro dia, as intensões eram louváveis. Se constituiu um conselho que seria o responsável pela atuação do órgão. As mãos estariam limpas. Mas o jogo de interesses antiindígenas não mudou e não permitiu com que ações efetivamente de proteção aos direitos dos povos indígenas fossem colocadas em prática pelo então governo da ditadura militar. Restou então ao coordenador do Conselho, o jornalista Queiroz Campos, transformar-se no primeiro presidente da Funai.

Mais de meio século depois, outros 35 presidentes do órgão iriam capitanear o sucateamento da instituição, até transformá-la num esquálido ente com a missão permanente de ser e não ser a executora de deploráveis políticas antiindígenas, ou a falta das mesmas. Na melhor das hipóteses, tímidos bocejos de defesa dos direitos indígenas.
Nos caminhos e descaminhos do órgão indigenista do governo passaram generais, capitães e coronéis, bem como padrinhos e apadrinhados políticos como Romero Jucá.

Nesse breve história, teve de tudo. Presidente da Funai que foi derrubado pelos índios antes mesmo de assumir, outro teve apenas um dia de presidência. Juruna e os Xavantes tiveram uma incidência marcante sobre a direção do órgão.  Os militares impuseram seu bastão e suas armas a serviço do controle dos índios, seus territórios e saque dos recursos naturais. Apadrinhados políticos houve vários. Alguns chegaram a afirmar que para ser presidente da Funai não precisava entender de índios, mas somente de administração. Teve os arautos de novas políticas indigenistas, que morreram na praia com toda sua boa vontade. Entidades indigenistas tentaram dar novos rumos ao órgão, em vão! Alguns arautos de boa vontade chegaram a fazer exigências, nobres e urgentes, para assumir a presidência do órgão.

A última estratégia deste festival de incongruências está sendo o da eterna interinidade, sinalizando que os direitos indígenas também sejam interinos. Mas essa cilada não passará incólume. A delegação dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, cobrou do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rosseto, uma resposta urgente sobre a efetivação do atual interino na presidência do órgão. “Exigimos do Poder Executivo respeito ao órgão indigenista, a Funai, consolidando o hoje presidente interino, pois é um cargo que demanda habilidade técnica e não política”. Porém, deixaram claro que é preciso mudar a relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, e não simplesmente a efetivação de alguém na presidência da Funai.

Apesar de não terem nenhuma ilusão de que isso irá mudar substancialmente as políticas efetivas do órgão, acreditam que assim poderá ter um pouco de oxigênio na defesa dos direitos dos povos indígenas na atualidade.

Pelo fim da Funai

Ruralistas, membros da Comissão Especial da PEC 215, um tanto constrangidos com a presença de indígenas do Mato Grosso do Sul, não contiveram sua sanha contra esses povos  apontando sua artilharia pesada e fúria contra a Funai. “Se é para acabar com a Funai assino embaixo. Ela está com seu prazo de validade vencido”.  E perguntavam com malícia e ironia: “Onde a Funai quer chegar? Dizem que os índios já ocupam 12% do território brasileiro e a Funai com as terras indígenas desse tamanho quer chegar a 22%?” E passaram a desfilar números enganosos e inverídicos numa clara intenção de reforçar seus pelotões antiindígenas. 
Não é novidade o pedido de extinção da Funai, que a rigor é um desejo de extinção dos índios. Isso aconteceu diversas vezes nas últimas décadas. Diversas comissões parlamentares de inquérito foram criadas ou propostas: CPI do Índio ou CPI da Funai, CPI contra o Cimi, CPI da Amazônia. Todas com objetivo claro de impedir que os direitos constitucionais dos povos indígenas fossem respeitados.

Em vários momentos, diante das acusações e arroubos conta os direitos indígenas, a plateia manifestou sua repulsa e indignação gritando: “Nos respeitem... Não falem mentiras... Chega de enganação”.

A sessão pela demarcação das terras indígenas, solicitada e coordenada pela deputada Janete Capiberibe, teve a grande maioria das intervenções favoráveis aos indígenas e seus direitos. Vale destacar a exposição de Marcelo Zelic que pontuou a ação desastrosa das políticas do Estado brasileiro com relação dos povos indígenas, conclamando para uma efetiva reparação aos povos nativos, o mínimo a ser feito para começar uma pagar a dívida histórica.

Além da urgente demarcação das terras indígenas, foi também pedido o “fim da interinidade falaciosa” que tem sido imposta aos últimos presidentes da Funai.

A maratona contra a PEC 215 e todas as iniciativas dos Três Poderes visando tirar ou limitar os direitos indígenas, continuam. Muita reza e o fim da paciência e da impunidade: “Reforçamos que não aceitaremos estes ataques, denunciamos que as ações neste sentido são inconstitucionais e criminosas. Aqui estamos, resistiremos e dizemos que se o Governo e Estado Brasileiro seguir com estes desmontes não nos restará alternativa se não retomarmos nossos territórios e buscar a justiça que nos cabe com as nossas próprias mãos. Nós, povos do Mato Grosso do Sul, estamos unidos neste sentido com todos os povos do Brasil para parar estes projetos de morte ou morrer pela vida de nosso povo” (Moção dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul l à sociedade e Estado brasileira).

Egon Heck
Cimi – Secretariado Nacional
Brasília 20 de maio de 2015 


Indios dizem não à “mesa de negociação”




A delegação de 53 lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul tiveram nessa quarta-feira (20) um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Esperavam respostas concretas com relação à assinatura das 12 portarias declaratórias que estão sob sua mesa.  Queriam também saber o porquê da paralisação total dos procedimentos de regularização das terras indígenas. Além disso, queriam saber quais são as iniciativas para dar segurança às comunidades e suas lideranças, que estão sendo diariamente ameaçados de morte. Grassa na região total impunidade em que matadores de índios viram heróis. Pediram também que o atual presidente interino da Fundação Nacional do Índio (Funai) seja efetivado no cargo.

O ministro Cardozo, escutado atrás das falaciosas “mesas de diálogo”, repetiu em exaustão que o clima não está bom, e que não vê nenhuma ação viável a não ser essas mesas, que os índios qualificam como enganação: “ Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando, senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento”, insistiram as lideranças em documento entregue ao Ministério da Justiça na manhã desta quinta-feira (21).

Mensalão do diálogo

As aludidas mesas de diálogo são, pelos povos indígenas, comparados às mesadas dos invasores, ou a um mensalão de lucros fáceis e abundantes, com a exploração das terras e recursos naturais das terras indígenas há décadas. “Os latifundiários e os poderosos, senhor ministro, não querem diálogo, mas a nossa morte. Basta lembrar os inúmeros massacres e extermínio de nossos povos, caracterizando um genocídio e holocausto dos povos nativos e originários deste continente e do nosso país”.
Estarrecidos e indignados, os povos indígenas do Mato Grosso do Sul afirmam na carta: “Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa, negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios, o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o diálogo com o senhor”.



Retornaremos


Em tom indignado, a liderança do Ypoy desabafou dizendo ao ministro que talvez não volte, pois poderá ter sido assassinado, mas virão outros lutadores, até que a terra seja demarcada. Na carta ao ministro reiteram: “Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de diálogo, não seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno”.
Ao final das duas horas de exposição da dramática situação dos povos, aldeias e acampamentos indígenas no estado, campeão de violência contra os povos indígenas, e da irredutibilidade do ministro da Justiça de fazer avançar os processos de demarcação das terras e outras providências, o encontro terminou em mais uma frustração: “É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de diálogo” a possibilidade de diálogo com o Executivo está acabando, senhor ministro, e como dissemos para o senhor, a inércia nas demarcações só

os deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos.”

Na carta protocolada nesta manhã no Ministério da Justiça, os índios manifestam sua revolta, mas acreditam nas forças de seus guerreiros e ancestrais, para continuarem a luta até a vitória final.

Egon Heck
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 22 de maio de 2015


segunda-feira, 18 de maio de 2015

Kaiowá Guarani e Terena: lutar vale à pena

Deixaram seus tekohá, aldeias e acampamentos no Mato Grosso do Sul e vieram a Brasília cobrar dos responsáveis pelos Três Poderes o respeito às suas vidas, seus territórios e todos os seus direitos. Assim como estiveram na ONU, há poucos dias, cobrando do Estado brasileiro a efetivação dos direitos constitucionais e internacionais, estão agora em Brasília, de cabeça erguida e a força de seus guerreiros e líderes espirituais para reafirmar que jamais abdicarão de seus tekohá (territórios tradicionais), onde possam viver conforme sua cultura e seu teko (jeito de ser e viver).

Estarão denunciado as violências e os crimes que estão sofrendo pelas mãos de pistoleiros, fazendeiros, usineiros usurpadores e invasores de suas terras. Estarão demonstrando sua indignação pelas balas que os pistoleiros os feriram no corpo e na alma, na total impunidade, omissão e conivência do Estado brasileiro.  Mais uma reintegração de posse ameaça e decreta a morte dos Kaiowá Guarani do Apikay.

Estarão cobrando do governo a imediata retomada da regularização de todas as terras Kaiowá Guarani, conforme o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em 2007. Sete anos já se passaram e o ministro da Justiça ainda não assinou as portarias declaratórias das mais de 40 terras indígenas previstas no TAC.  Diante desse quadro desastroso, perguntam: quantas vidas e sangue derramado ainda serão necessários para cumprir a Constituição? Será que, na prática, os governantes e autoridades são adeptos da política de “índio bom é índio morto”? 
Do Ypoy  dirão, em alto e bom tom, que jamais sairão de seu tekohá. Perguntarão aos ministros do Supremo Tribunal Federal, as razões das decisões contra as terras indígenas de Guyraroká, Arroio Korá e Limão Verde, dentre outras.

Estarão dando continuidade às lutas e mobilizações dos povos indígenas de todo o país, que avaliam estarem sendo submetidos às maiores injustiças e violências da história desse país. Estarão se unindo aos Tupinambá, da Bahia, aos Kaapor, do Maranhão, aos Munduruku, do Pará, aos povos atingidos pela hidrelétrica de Belo Monte, pela transposição do rio São Francisco e invadidas e impactadas por centenas de grandes projetos do modelo de desenvolvimento brasileiro.
Estarão cobrando do Congresso Nacional o fim de todos os projetos que tentam suprimir os direitos indígenas, em especial a PEC 2015, os PLs 1216 e 1016, e tantos outros decretos de morte aos povos nativos.

Dirão à presidente Dilma, que a total paralisação da regularização das terras indígenas é uma atitude que depõem frontalmente contra as propaladas afirmações de que somos um país que respeita os direitos humanos e étnicos de seus habitantes.  O Mato Grosso do Sul é o Estado em que o número de suicídios entre o Kaiowá Guarani é superior a 50 por ano. O mesmo acontece com os assassinatos. Mais da metade dos índios assassinados, por violências externas e internas, é de Kaiowá Guarani. É o momento de união e solidariedade com esses povos.

Será uma semana de muita reza, muita conversa e pressão, para cobrar seus direitos e não deixar rasgar a Constituição Federal.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília, 18 de maio 2015




terça-feira, 5 de maio de 2015

Lutar não foi em vão




Linda celebração. Comovente. A catedral repleta de gente se juntando em hinos de gratidão e louvor a Deus pelo testemunho do profeta Dom Tomás Balduíno. Um ano transcorreu desde sua partida para a morada do Pai, onde com  todos os povos vamos um dia nos encontrar. Luar lindo. Cheia, a lua veio se juntar ao coro das gentes e da natureza num grande momento da memória perigosa de um guerreiro destemido.

Dom Eugênio, bispo da Diocese de Goiás, expressou sua admiração pelo profeta Tomás, reafirmando que a melhor maneira de fazermos a memória e honrar essa bonita e radical obra de um homem de fé, é dar continuidade às suas obras e sonhos, na luta pela terra e pelos que a amam e respeitam, como os povos indígenas, as populações tradicionais, os sem terra e todos os expulsos da terra. Manifestou o compromisso assumido pela Diocese de Goiás de dar continuidade à luta de Dom Tomás no apoio incondicional aos povos indígenas na luta por seus direitos, especialmente a terra/território.
Canutto, em nome da CPT Nacional, lembrou que a Comissão Pastoral da Terra, tem se sentido um tanto órfã, com a morte de Dom Tomás. Mas que ao contrário de sentir-se inibida em sua missão de luta pela terra, reforma agrária e justiça no campo,  tem a certeza que essa luta está se fortalecendo, agora com a intercessão de Dom Tomás.
Em nome do Cimi destaquei a importância da celebração dessa memória perigosa do profeta Tomás. Em contribuição com essa memória, relatei fato ocorrido em 11 de janeiro de 1977. Naquela ocasião, se realizava na missão Surumu, em Roraima, uma das primeiras assembleias de tuxauas (caciques) e lideranças indígenas daquele território federal. No reinício dos trabalhos da tarde, uma surpresa. Dois representantes da Funai e da polícia, dirigiram-se à assembleia exigindo a retirada de Dom Tomás, presidente do Cimi, do recinto. Caso contrário o encontro seria dissolvido. Era ordem do general Ismarth de Araújo, presidente da Funai. Após o impacto da ameaça, o presidente do Cimi se levantou e exclamou: “Daqui só saio preso”!
Instantes de perplexidade. Os índios confabularam entre si, decidindo pela retirada de todos do local. Eles foram concluir sua assembleia em outro local. Só assim Dom Tomás e Egydio se retiraram.
Um representante dos acampamentos e assentamentos da região ressaltou a insistência de Dom Tomás de que a Igreja deveria estar junto do povo e com ele fazer a caminhada de libertação. E como fruto dessa opção, foram se criando os grupos de vivência do Evangelho e as Comunidades Eclesiais de Base. Relatou também momentos impressionantes em que se manifestou profundamente a fé e luta de Dom Tomás.
No final da emocionante celebração, ecoaram canções que expressam a Igreja peregrina, para a qual lutar não foi em vão.  Ao contrário aí estão os testemunhos de uma Igreja que caminha com o povo em suas lutas por direitos, justiça e libertação. Foi também entoada uma canção feita em memória do lutador que estava sendo lembrado, de maneira especial dentro do grande número de mártires e profetas da atualidade: “Um silêncio que se faz, cai a tarde, bate o sino, segue em frente, vai em paz, para sempre, Balduíno”.

Urubu-ka’apor em pé de guerra

Essa é a manchete que se podia ver na imprensa em agosto do ano 2.000 (Folha do Paraná, 24/08/2000) seguido da explicitação “Índios vão aos EUA denunciar invasão de áreas”. Na matéria, três caciques da nação urubu-ka’apor relatam os objetivos da viagem “vão denunciar no Museu do Índio Americano e na Organização das Nações Unidas-ONU, em Nova York, a invasão de suas terras por fazendeiros e madeireiros e o descaso das autoridades brasileiras quando à demarcação de suas terras... A cada dia aumenta o número de invasores para roubar madeira... é a nossa última tentativa de chamar atenção da opinião pública brasileira e estrangeira para os problemas que estamos enfrentando... desde 1991 existe uma liminar de reintegração de posse concedida pela Justiça Federal do Maranhão em favor dos índios. Essa liminar já foi revalidada cinco vezes, mas não cumprida” (idem).
Quinze anos depois. Uma delegação de indígenas brasileiros e aliados denunciam na ONU o assassinato de Euzébio ka’apor em função de sua luta contra o esbulho da madeira pelos madeireiros invasores. O secretário do Cimi, em sua fala no Fórum Permanente da Questão Indígena, na ONU, manifesta a indignação dos povos indígena do Brasil, por mais essa violência e crueldade. Pede que o governo faça uma rigorosa investigação e punição dos responsáveis pelo crime.  Além disso, salienta que a única forma de evitar com que esse tipo de violência continue, é a imediata retomada da demarcação das terras indígenas por parte do governo.
Egon Heck
Cimi-Secretariado
Brasília, 5 de maio de 2015