ATL 2017

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O Brasil nas trilhas


Muitas vezes somos surpreendidos com a expressão “precisamos colocar o país nos trilhos”. Não ensejamos falar de uma situação de algo “descarrilhado” e que mineiramente desejamos ajudar a colocar o trem no trilho, uai!
Queremos falar  de rara beleza nas trilhas da Chapada Diamantina, na Bahia. No rastro dos garimpeiros, do início do século passado,  brotaram íngremes caminhos e sôfregos povoados. Em meio às rochas de mais de um bilhão de anos, os diamantes foram sendo procurados com a ansiedade de quem vai ao pote com muita sede  e fica rico, ou permanece lascado. Um século depois aí encontramos frondosas montanhas  e vales de heroica resistência banhadas de águas cristalinas, cachoeiras espetaculares e monumentais formações rochosas.
Não é possível andar nessas trilhas sem se deixar envolver pelo encanto desse Brasil ainda por poucos conhecido. Afinal de contas a nossa classe dominante ainda continua de costas para esse país profundo e belo.  A maioria dos pacotes turísticas continuam sendo para Las Vegas, Disney, Europa...onde é possível esbanjar dinheiro acumulado às custas do trabalho e suor do povo brasileiro.
As trilhas de encantadoras maravilhas por esse país afora, continuam envoltas em poeira e descaso das alquebradas secretarias de turismo.  Talvez seja essa uma das razões que mantém a natureza quase intacta,  e vista, sentida e apreciada por pouca gente.

Um deslumbre a cada passo

Tivemos a felicidade de  usufruir  do privilégio  de  passar alguns dias nos deliciando  com as caminhadas nas trilhas dessa beleza. Depois de algumas horas de  subidas e descidas 

subitamente somos agraciados com espetáculos indescritíveis.
São flores dando as boas vindas com seus suaves abanos, são as límpidas águas se esparramando em nossa frente, em irresistíveis convites para um mergulho,  são as serras majestosas vistas num ângulo de 360 graus, é o sol se esparramando por sobre as montanhas, enchendo a alma de sentimentos de gratidão e louvor ao autor de espetáculos tão emocionantes.
Seguindo nossas caminhadas pudemos observar uma tênue  quantidade de água se precipitando em mais de 350 metros de queda, transformando-se em fumaça no meio  do caminho. É a espetacular cachoeira da Fumaça. Em frente um colossal paredão de rochas, nos dá a dimensão de nossa pequenez  diante do espetáculo que vislumbramos. Seguindo em outra direção chegamos à cachoeira da Purificação.  Suas águas geladas desafiam a nossa coragem de um sagrado ritual  de purificação de nosso corpo, nossa mente e nosso espírito.



E assim nosso grupo de caminhada com um pouco mais de 20 pessoas de várias regiões do país, fomos saboreando as belezas, armando e desarmando nossas barracas e carregando-as até mais de mil metros de altitude, em sintonia com a natureza e suas energias.  Nos topos das montanhas um vento gélido nos envolvia durante a noite.  Os trovões, raios e chuva, com suas roucas vozes e luzes intermitentes, foram nos  abençoando. Pisamos leve e livres no chão da
Chapada Diamantina. Nos sentimos revigorados e oxigenados em nossa  esperança e compromisso  com a luta pelos direitos da Mãe Terra e justiça para todos os povos e vida do planeta Terra.

Egon Heck
Grupo da “Caminhada Troca de Saberes
Brasilia, 27 de janeiro de 2015





sábado, 10 de janeiro de 2015

A força ritual dos povos originários





Vou começar 2015 com o final de 2014. Por uma razão muito singela e justa. Os povos indígenas do Brasil terminaram o ano com uma vitória quase impossível. Infringiram aos todos poderosos senhores do agronegócio, do latifúndio e da agroindústria uma derrota que eles não admitiam de jeito nenhum. Terminar o ano sem aprovar o relatório da comissão especial  da  PEC 215, era um cenário  descartado.  A realidade com que tiveram que se confrontar teve um amargo gosto de derrota de uma vitória certa.
Como seria possível que algumas dúzias de indígenas com apoio de alguns aliados pudessem impedir a aprovação desse projeto de emenda constitucional, genocida?  Isso numa comissão e num Congresso em que os interesses anti-indígenas tem ampla maioria.
Nailton, Pataxó Hã-Hã-Hai,  aguerrida liderança na luta pelos direitos de seu povo, na recuperação do território e na conquista dos direitos indígenas na Constituição de 1988, Exclama: Em nossas vidas devemos ter firmeza dos  rituais e a eles dedicar 50 por cento de nosso tempo e os outros 50 por cento dividir com as outras atividades.  Com essa fala    animou seus parentes  que permaneceram firmes nos rituais diante da portaria da Câmara compactamente  tomada por militares e seguranças.  Entusiasmou  os guerreiros que foram  barrados, vergonhosamente, em cenas piores do que no período da ditadura militar/civil.
 Eu poderia dizer como algo jamais visto quanto mais as forças policiais se multiplicavam em numero mais os rituais cresciam em forças, em animo, entusiasmo e em respostas que para muitos parece casualidades, mas que para os povos são providencias dos encantados. Como por exemplo, na primeira noite em que prenderam algumas lideranças indígenas a chuva foi tão forte que o congresso não por acaso foi invadido por lama e alguns parlamentares ficaram por horas ilhadas em um mar de lama. No segundo dia enquanto a  comissão esteve reunida, apagaram-se as luzes, impedindo a continuidade dos trabalhos ou seja faltou energia no congresso. Segundo os indígenas os policiais lá fora barravam apenas a entrada dos corpos e não dos espíritos. ”  Ininawa, do Acre, reforçou  essa convicção, dizendo que só com os rituais os povos indígenas poderiam  conquistar essa vitória. “Essa é a arma mais importante e forte que temos.  Enquanto nós continuamos unidos em ritual, os espíritos dos nossos antepassados estarão no lado de dentro do Congresso, onde nós estamos impedidos de estar”. Os encantados e os deuses estão agindo em nosso favor, em favor dos nossos direitos.
Fortes chuvas, raios e trovões estrondaram nos céus de Brasília, enquanto os indígenas continuaram em ritual, durante 12 horas seguidas. Cinco lideranças da mobilização indígena foram presos, acusados de tentativa de assassinato de policiais. Tudo foi desmascarados e poucos dias depois foram libertados.
Não existem dúvidas que só povos com tamanha sabedoria e espiritualidade podem fazer frente e vencer forças tão poderosas.  Um possível cenário aponta para a continuidade dessa luta, com a constituição de nova comissão especial, produção e votação de um novo relatório desta PEC e de outras

Katia Agronegócio Breu
A Ministra do agronegócio assumiu. Logo vieram  novas pérolas envoltas em cinismo, prepotência e ignorância sobre os povos indígenas e sua história de resistência, seus territórios e seus direitos.
Ao afirmar que não mais existem  latifúndios no Brasil, a ministra da Agricultura só faltou repetir um velho jargão da ditadura “os índios são latifundiários”. E afirmar de que eles estão deixando seus territórios sagrados para irem ocupar os espaços da produção não é apenas um caso de má fé ou ignorância, mas é a explicitação  da intenção do agronegócio em restringir ou até acabar com os direitos indígenas a seus territórios coletivos com o beneplácito do governo.
Os caminhos das manifestações dos povos indígenas em Brasilia certamente ganhou mais endereços: Ministério da Agricultura, Ministério de Minas e Energia, dente outros.

Ano de solidariedade com os povos indígenas e a mãe terra

Se a espiritualidade, os rituais e a mobilização foram os esteios das lutas e vitórias do movimento indígena no ano que passou, foi também muito importante a solidariedade e apoio de seus aliados em nível nacional e mundial.  A ampliação e consolidação dessa solidariedade será sem dúvida fundamental para os duros embates que estão pintados com os interesses do Estado brasileiro e  um governo com posturas anti indígenas e um Congresso preponderantemente conservador e alinhado com as forças contrárias aos direitos indígenas, especialmente os direitos dos territórios e os recursos naturais neles existentes.
Quem acompanha os difíceis e duros embates dos povos indígenas, desde as aldeias até Brasília, não tem dúvidas de que “o atual movimento indígena brasileiro está cada dia mais forte. Tem lideranças jovens, aguerridas e persistentes...  Saberão responder à altura toda ignorância que insiste em se disseminar em declarações como essa vinda da boca de uma ministra de estado. Os índios não estão descendo para  áreas de produção.  Estão subindo as rampas dos palácios, entrando nas terras que lhes pertencem, exigindo seus direitos” (Elaine Tavares, janeiro 2015)
Na manifesta solidariedade aos povos indígenas do Brasil, vale destacar as palavras de Boaventura de Souza Santos em carta às autoridades brasileiras: podemos estar perante um verdadeiro atentado contra a humanidade. Explico-me. Autoridades brasileiras estão diante de uma decisão que pode abalar definitivamente a garantia dos direitos dos povos indígenas no país...).A PEC 215/2000 é um golpe frontal e impiedoso às vidas dos povos indígenas...”
Os povos indígenas no Brasil certamente terão, juntamente com outros setores e os povos tradicionais, duros embates com os interesses manifestos do governo e do Congresso. Será um ano de permanentes rituais e mobilizações.
Egon Heck e Laila Menezes
Secretariado nacional do Cimi
Brasília, 10 de janeiro de 2015