“ Ele está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós ele não
foi embora. Ele está aqui. Ele está
olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar
o trabalho, a luta de D. Tomás.”
Gercilia Krahô, importante
liderança do povo, recebeu, na nova aldeia,
com muito carinho, parentes e
amigos de D. Tomás, que ela tinha como
tio. Para o povo Krahô o tio tem uma relevância tão importante no papel da
formação social quanto o pai.
A homenagem ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc acontece como finalização
de luto de um parente e neste caso seu
inesquecível amigo Tomás. Este ritual compreende momentos marcantes de noites
acordados embalados pelos cantos no pátio, pinturas corporais, os cortes de cabelos e a
corrida com a tora de buriti que simboliza o corpo de D. Tomas. Esse corpo
pintado e empenado percorre o pátio nos ombros dos indígenas e em
seguida levado a casa de Gercília, onde
é envolto em um pano e logo depois despido para que as
mulheres possam se despedir através do choro ritual, um lamento profundo de
lagrimas e soluços que toca e faz chorar muitos presentes.
que de passando o “Eu só participo do ritual na
igreja de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme
a nossa cultura” exigiu Gercilha
O cerrado já se vestia de verde e
o rio se tingia de Vermelho para participar desse momento ímpar da memória de
um de seus filhos e defensores intransigente e radicalmente comprometido com a diversidade
de vida, povos e comunidades originárias deste Brasil central.
Cenário perfeito para um grande e
inesquecível acontecimento. Beleza e simplicidade, alegria e lágrimas, gestos
profundos de espiritualidade ritual. A celebração da memória de um “kupen”(não
indígena) na aldeia é mais do que uma excepcionalidade, é um gesto de
reconhecimento da permanência dentre
eles.
Presentes e
compromisso
Um dos momentos marcantes do
ritual...... foi quando Dom Eugênio, bispo de Goiás entregou à comunidade,
através de Gercília umas lembranças de D. Tomás – uma cruz simbolizando os mártires latino-americanos e
uma vistosa estola, que ela imediatamente vestiu. Era mais do que memória. Foi
o selado o compromisso da continuidade do trabalho em defesa da vida e dos
direitos dos povos indígenas, em especial com os “mehin” (Krahô).
De longe se ouvia a
cantoria ritual no centro do pátio da aldeia. Era o último dia da celebração. Jercilia se
aproximou de D. Eugênio, e num gestou perdido na noite, carregada de harmonia ,
revezando silêncios e maravilhoso cantos, tirou o colar que trazia no pescoço e
colocou-o no bispo dizendo “Agora você é compadre de D. Tomás”. Umas rápidas
palavras e estava selado o compromisso.
D. Eugênio declarou que sempre
teve muita admiração por D. Tomás, pelos seus trabalhos, pela sua luta. Por essa razão estava junto aos Kraho, com o pessoal do Cimi, CPT e outros amigos de
D. Tomás. “Simpatizo com a causa indígena e da terra . É preciso defender essa
gente e os empobrecidos da terra”. Disse ter achado ótimo essa oportunidade de
conhecer um pouco mais da cultura indígena.
O massacre
continua
No decorrer dos três dias
celebrativos inúmeros depoimentos foram sendo desfilados, todos eles marcados
por profunda indignação e revolta, pelas violências, omissões, preconceitos e
massacres. Izabel Xerente verberou “ Vão entrar em nossas terras(grandes
projetos) para massacrar. Nois vivemos lutando por todos. Tenho essas borduna
pra dará na cabeça.
Vários depoimentos lembraram o
avanço do agronegócio, destruindo as matas, poluindo os rios. As monoculturas
da soja, do eucalipto, do gado, acaba envenenando e matando a terra e os animais. Os rios estão
secando.
Foi lembrada a brava resistência
das comunidades indígenas diante das políticas desenvolvimentistas do atual
governo com as rodovias, hidrovias, hidrelétricas, dentre outros. Porém nós
indígenas somos a semente e as plantinhas dessa terra. Vamos continuar lutando.
Vamos nos unir com os pobres. Vamos lutar unidos.
O povo Krahô, que faz parte da
grande nação Timbira, são hoje em torno de 3.200 pessoas vivendo em 28 aldeias nos municípios de
Goiatins e Itacajá no Tocantins
Gratidão e alegria. O ritual que
marcou o fim do luto de D. Tomás entre os Krahô, também nos traz a certeza de
sua presença e a continuidade de sua luta entre nós e da vitória dos povos originários do país
e do continente latino-americano.
Brasília, 1 de outubro de 2014
Cimi GOTO
Egon Heck