Seguidamente vemos os povos dos indígenas expressões como
“estão nos matando com a lei, a canetaços,
leis que eles mesmos fizeram, dizendo que é para nos defender. Basta
citar todas as Constituições desde 1938 até a de 1988. Em todas elas está
garantido o direito a nossas terras, à proteção dos nossos territórios. É obvio
que nesse quesito a Lei Maior do país foi olimpicamente desrespeitada. Os
territórios indígenas foram invadidos, os recursos naturais saqueados. E o que
é mais grave, continua o mesmo processo.
Vale lembrar o Código Civil, de 1916, tão cioso em defender os índios, que os
enquadrou na categoria dos menores de idade, dos relativamente incapazes. Será que já paramos para olhar as
barbaridades feitas contra os índios por seus tutores, em nome da tutela? Basta
dar uma foleada nas mais de 7 mil páginas do Relatório Figueiredo, fruto de uma
rápida investigação, em 1967, sobre a atuação do Serviço de Proteção aos Índios
- SPI Poder-se-ia dizer que tudo que é
crime e perversidade foi encontrado, sendo em maior parte as ações e crueldades feitas por agentes do
Estado, pelos tutores, ou no mínimo, com a conivência e omissão dos mesmos. E
se tivermos mais um pouco de tempo, que tal folear as milhares de páginas de violências
contra os povos indígenas expostas nas Comissões Parlamentar de Inquérito-CPIs
de 1953 (senado), 1963 e em consequência dessa outra em 1968 e depois em
1977. Assim teríamos um enorme mosaico
de violências, violações dos direitos indígenas, caracterizando um processo de
etnocídio e genocídio.
Até mesmo a lei 6.001 – Estatuto do Índio, de dezembro de
1973, vigente até hoje, tem sido largamente usada pelos inimigos dos
índios e pelo Estado brasileiro, para promover a integração-assimilação dos
povos indígenas, e utilizar os territórios conforme suas conveniências, pois no
artigo 20 estabelece que a União pode dispor das terras indígenas sempre que
entender que seja para a “segurança nacional”, ou para realização de obras,
ações, de interesse ao desenvolvimento do país.
Se tudo isso não bastasse para ao menos
sacudir um pouco a nossa consciência adormecida e mal informada com relação aos
povos indígenas e seus direitos, vemos que, infelizmente o processo de matar os
índios com a lei, apesar da lei ou contra a lei continua. Lembremos o que
afirmou Orlando Vilas Boas, na década de 70 “Em cada século o Brasil matou um
milhão de índios”. Provavelmente o número seja ainda maior. Apesar de tudo isso
continuamos impassíveis, sendo alimentados com bombardeios de informações sobre
a Copa do Mundo. Para a maioria dos povos indígenas é apenas mais um tempo de
sofrimento, de violências, desrespeito, racismo e assassinatos. Mas avisam
“estamos em campo, nem que seja nas batalhas, enfrentando bombas e balas de
borracha. “O gol que interessa a nós povos indígenas é a demarcação de nossas
terras” afirmou Sonia Guajajara, após encontro com os presidentes da Câmara e
do Senado.
A
luta ruralista contra a lei
Não satisfeitos
com todas as investidas para tirar os direitos indígenas da
Constituição, na semana passada eles abriram um novo flanco para sua artilharia
pesada. O novo alvo foi a “iníqua”(segundo
eles) Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, da qual o
Brasil é signatário desde 2004.
O debate sobre a revogação da Convenção 169 é uma
investida dos ruralistas, que estão utilizando a Comissão especial da PEC 215
para fazer palanque contra os direitos dos povos indígenas e populações
tradicionais. O propositor da investida é o deputado José Cezar Quartiero,
conhecido pela truculência contra os povos indígenas em Roraima, respondendo a
vários processos. Segundo Fernando Prioste, advogado popular e o
coordenador da Terra de Direitos, “a iniciativa
ruralista é um claro ataque a indígenas, quilombolas e povos tradicionais que
lutam pela efetivação de direitos.”
O mais grave descumprimento de leis foram sem
dúvida a da não demarcação das terras/territórios indígenas. É como se o
Estatuto do Índio não tivesse ordenado ao Estado brasileiro a demarcação de
todas as terras indígenas até dezembro de 1978. E o mais grave, a Constituição
de 1988 estabeleceu outros 5 anos para a demarcação de todas as terras
indígenas. Até hoje vemos a recusa do Estado brasileiro em cumprir essa sua
obrigação, e o legislativo, por pressão dos ruralistas e do agronegócio,
tentando inviabilizar a demarcação das terras indígenas. Quem está pagando com
seu sangue e sofrimento esse descumprimento das leis são os povos originários
desta terra. Enquanto isso se continua matando com a lei, procurando também desconstruir
e matar direitos conquistados na Constituição e legislações internacionais.
Enquanto isso a bola vai rolar tentando fazer o gol
da terra mãe!
Egon Heck
Cimi, secretariado nacional
CFVC-Luziânia, 8 de junho de 2015