ATL 2017

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Escola na aldeia – do nosso jeito


Termina hoje o 2º Encontro nacional de Educação Escolar Indígena, realizado no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia.
Foram quatro dias de reflexões e debates, avaliação e construção de estratégias para a Educação Escolar Indígena no Brasil. Não apenas foram socializadas as experiências, debatidos os desafios e lutas dos professores indígenas nas aldeias, mas também  foi analisada a nova conjuntura e as necessárias lutas para garantir os direitos indígenas, não apenas na lei, mas de fato.
Foi emblemático serem os professores indígenas,  os primeiros a se mobilizarem logo após as eleições.
Professores de 52 povos de todo o país  seguiram em passeata até a praça dos Tês Poderes para reivindicar respeito aos direitos  de uma educação escolar indígena própria de cada povo , dentro do marco de um estado plurinacional e intercultural,  a partir dos territórios indígenas. Protocolaram documentos no Palácio do Planalto e Supremos Tribunal Federal, dialogaram com autoridades ,  manifestaram sua indignação e esperança.
Uma longa caminhada
Nos últimos 50 anos  desencadeou-se um importante processo de descolonização da educação escolar indígena, em todo o continente. Das precárias e simples escolas de palha em aldeias,  ou mesmo ao céu aberto ou debaixo de árvores, foi se forjando um movimento de construção de escolas transformadoras, de formação de guerreiros na luta pelos seus direitos, especialmente seus territórios, recursos naturais, modos de ser e projetos de vida. Começa a nascer a “escola própria de cada povo,  “do nosso jeito”. Os direitos foram garantidos em inúmeras leis, infelizmente não cumpridas, pois os estados nacionais se forjaram na contramão da diversidade, ou seja, quando mais homogêneos mais  fortes.  Dessa forma passaram a se transformar em ´maquinas de triturar a enorme diversidade de quase mil povos originários  na Ameríndia, continente americano.
Depois de meio século de lentas mudanças, as escolas indígenas continuam esbarrando nas burocracias estatais, nos preconceitos raciais, na políticas homogeneizantes, na prepotência dos colonizadores, invasores de seus territórios e negadores dos projetos próprios de vida de cada povo.
Foi gratificante e animador ouvir a experiência do povo Shuar, da Amazônia equatoriana. Santiago Utitiaj relatou como foram se construindo as escolas comunitárias no Equador. Ressaltou as dificuldades que enfrentaram e continuam existindo, a partir da decisão política das comunidades de terem suas escolas e educação próprias”. Esse processo começou em 1940. Porém só na Constituição de 2008 , dentro do marco do Estado Plurinacional, se reconheceu o modelo intercultural bilíngue. “Temos muitos direitos garantidos em nossas constituições e legislação internacional. Precisamos conhecê-los para exigi-los, especialmente os direitos coletivos, como  a “educação própria”, desenvolvida nas comunidades, afirma Santiago.   Lamenta que o sistema educativo dominado pelo estado não permita o desenvolvimento da “educação própria. ” O estado não a reconhece. Alegam o medo dos fantasmas de separatismo, de reivindicação de  independência.
Santiago  conclui dizendo “Apenas queremos que respeitem a nossa existência num Estado Plurinacional e Intercultural”.  E esse  processo  de mudanças profundas de ser feito por nós indígenas ou não será feito por ninguém, pois o Estado e o governo não tem interesse em faze-lo.
No manifesto sobre  Educação Escolar Indígena no Brasil – Por uma educação descolonial e libertadora assim está expresso o grande desafio “Transformar a escola em ferramenta de luta não é tarefa fácil. E para isso não basta mudar apenas sua aparência, seus currículo, seus calendários. É preciso modificar toda sua lógica, sua fundamentação, seus objetivos e essência, bem como os conteúdos e práticas vivenciadas pelos alunos no cotidiano”
No documento final exigem respeito e autonomia dos processos próprios e específicos das comunidades Queremos através deste documento dizer aos governantes, que as nossas escolas indígenas sejam reconhecidas e respeitadas, obedecendo os sistemas de educação próprio de cada povo, cada um com suas especificidades, no seu modo de ser, viver, se organizar, de relacionar com o sagrado, reconhecendo nossas bibliotecas que oferecem nossos livros práticos, as nossas disciplinas tradicionais que se encontram dentro dos nossos territórios. Que as esferas federal, estaduais e municipais reconheçam a autonomia das escolas indígenas. 
Educação escolar indígena descolonial e libertadora. Sonho ou pesadelo. Uma luta de quase cinco décadas de desconstrução da escola do invasor. Da educação de súditos à formação de guerreiros. Um longo caminho, em construção.
Egon Heck

Cimi – Secretariado - Brasilia, 31 de outubro 2014

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A cada eleição, os índios perdem



Votamos em Lula! Nas eleições de 2002 os índios votaram massivamente em Lula, pois tinham a firme convicção de que a proposta de política indigenista construída durante vários anos, pela militância do PT e os povos indígenas, finalmente teria guarida no coração, nas ações e nas políticas do novo governo. As visitas de Lula a várias terras indígenas, suas palavras de compromisso com os direitos desses povos e as promessas de demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro governo, marcariam um novo momento da relação do Estado brasileiro com os povos indígenas. Ledo engano. Para chegar ao poder Lula teve que vender, negociar e adequar a política indigenista aos interesses de sustentação de seu governo. E o que se viu foi um imediato avanço dos interesses antiindígenas, com o assassinato de várias lideranças já no primeiro mês do novo governo.
Lula teve vários encontros com lideranças indígenas, foi na festa da homologação da Raposa Serra do Sol, mas deixou uma grande dívida: a maioria das terras indígenas não tiveram seus processos de regularização concluídos, outros sequer iniciados. Não foi criado um canal de interlocução com autonomia como o Conselho Nacional de Política Indigenista... Decepção. Alguns se sentiram traídos. Lula reconheceu a dívida e a repassou para a sucessora. Com Dilma a decepção aumentou. Apenas um único encontro com uma delegação indígena, no contexto dos protestos de junho

 Carta da véspera

Às vésperas das votações do 2º turno uma carta aos povos indígenas.  Redigida por um assessor, nem sabemos se a “Presidenta” tomou conhecimento do texto. Promessa de empenho para que não se consuma uma retirada de direitos indígenas na Constituição, com referência à PEC 215. Quem sabe, presidenta, poderia seu novo mandato dar uma sinalização de boa vontade revogando a Portaria 303, que é do seu governo, empenho em evitar retrocessos com uma série de medidas, inclusive a alteração do processo de demarcação anunciado pelo ministro da Justiça.

Por que os índios perdem a cada eleição, parte do que a duras  penas conquistaram na Constituição de 1988? Em primeiro lugar porque as elites nunca aceitaram e nem se conformaram com os direitos dos povos indígenas. Isso fica evidente quando olharmos para o período pós-Constituinte até hoje. A duras penas e muitas lutas os índios conseguiram evitar retrocessos, graças à sua permanente mobilização e apoios conquistados no país e no mundo.

Pelos posicionamentos dos Três Poderes com relação aos povos indígenas na atual conjuntura e considerando os possíveis cenários, são previsíveis turbulências e tempestades com graves consequências para os povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais, unidades de conservação e meio ambiente.  Muitos “junhos” serão necessários para não haver retrocessos.
O Jornal da Câmara do dia 24/10 nos dá números preocupantes. A bancada ruralista passou de 191 para 263 membros. Portanto 51% do total dos votos. Somado a isto a pequena margem da vitória de Dilma, teremos pela frente um quadro nada animador para os povos indígenas, quilombolas, sem terra, e outros setores empobrecidos.

Em recente artigo, Frei Beto, ao analisar os processos dos governos progressistas no continente, afirma que “Esse processo exportador-extorsivo inclui recursos energéticos, hídricos, minerais e agropecuários, com progressiva devastação da biodiversidade e do equilíbrio ambiental, e a entrega da terra aos monocultivos anabolizados por agrotóxicos e transgênicos. O Estado investe em ampla construção de infraestrutura para favorecer o escoamento de bens naturais mercantilizados, cujo faturamento em divisas estrangeiras raramente retorna ao país. Uma grande parcela dessa fortuna se aloja em paraísos fiscais. Eis a contradição desse modelo neodesenvolvimentista que, no frigir dos ovos, anula as diferenças estruturais entre os governos de esquerda e de direita. Pois adotar tal modelo é aceitar tacitamente a hegemonia capitalista, ainda que sob o pretexto de mudanças "graduais”, "realismo” ou "humanização” do capitalismo. De fato, é mera retórica de quem se rende ao modelo capitalista”.

Tem sido praxe dos governantes das últimas décadas, definir as políticas indigenistas depois de terem sido satisfeitos e acomodados todos os interesses. Só então se procura definir, no espaço que sobrou, os direitos indígenas. Dessa vez parece que não vai ser diferente

Egon Heck
Cimi Secretariado
Brasília, 28 de outubro de 2014



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Aécio, os índios

Finalmente alguma referência aos índios. Até agora tudo transcorria como se eles não existissem. Que vergonha! Um país com 305 povos indígenas sequer  tiveram uma tímida referência dos candidatos ao palácio do planalto. Quanto cinismo para um país que tomou as terras dos habitantes originários, continua saqueando os recursos naturais das terras indígenas e apregoa um economiscismo desenvolvimentista, fazendo de conta que os índios não mais existem.
Não seria possível ignorar uma das piores situações de povos indígenas hoje, em termos mundiais. Lamentavelmente nada de novo nas propostas. Acenos  aos desejos do agronegócio e de erradicação da violência. Esqueceu de dizer como pensa fazer isso. Quiçá tivesse se comprometido em cumprir a Constituição e a legislação internacional com relação aos direitos dos povos originários e teria então mais chance de avançar na desconstrução  de políticas indigenistas neocoloniais e avançar no diálogo igualitários com esses povos na perspectiva de construir a autonomia  e o bem viver num país plural que só será verdadeiramente democrático  se  respeitar  o direito dos 305 povos que nele vivem.
Na semana passada uma delegação dos Kaiowá Guarani estiveram uma vez mais em Brasília, para exigir medidas urgentes para a dramática situação em que estão vivendo. Foram duros e incisivos em suas colocações: Retomada de suas terras tradicionais e em caso de tentativas de expulsão,  irão cometer suicídio coletivo.
Quanto ao “marco temporal” – que apenas quer reconhecer direito das terras indígenas, onde eles estivessem ocupando a terra  em outubro de 1988, por ocasião da proclamação da Constituição, Ironia por ironia, os índios perguntam , se os latifundiários e o agronegócio se encontravam nesses lugares em 1.500  por ocasião do início da invasão. Em caso negativo, a terra não lhes pertence.
Mineração – o novo nome da invasão
 Durante  as últimas décadas os territórios indígenas tem sofrido constante pressão e invasão por parte dos interesses minerais, garimpeiros e mineradoras. No início da década de oitenta a terra Yanomami  chegou a estar invadida por mais de 40 mil garimpeiros. Essa invasão ocasionou a morte de aproximadamente mil e quinhentos índios. Vários massacres e mortes por epidemias ocorrerem com vários povos.
No início de agosto de 2002 uma delegação indígena esteve com o então presidente da Câmara Aécio Neves, que prometeu não levar ao plenário o projeto de mineração em terras indígenas, de autoria de Romero Jucá. O desafio permanece. O movimento indígena e seus aliados já se pronunciaram inúmeras vezes contra o projeto. Essa nova ameaça de invasões massivas e destruidoras dos povos e do meio ambiente pesa sobre as vidas e o futuro dos povos originários desse país.
Será importante que os candidatos à presidência da República se posicionem claramente diante de mais esse genocídio anunciado.

Egon Heck
Cimi – secretariado
Brasília, 22 de outubro de 2014



sábado, 18 de outubro de 2014

Aldeias e acampamentos indígenas no Mato Grosso do Sul - violência, insegurança e medo

Aldeias e acampamentos indígenas no Mato Grosso do Sul - violência, insegurança e medo
Brasília, Brasil e o mundo mais uma vez ouviram o clamor da situação de genocídio e o anuncio de suicídio coletivo do povo de maior população e pior situação do país, os Kaiowá Guarani.  Não é possível  ficar insensível ou se omitir diante de um quadro dantesco de violência. Ou nos solidarizamos com essa luta de vida, justiça e paz ou seremos identificados pela história como cúmplices das piores crueldades contra um povo indígena no mundo. Chorei, confidenciou um dos advogados do Cimi ao acompanhar uma delegação  desse povo aos gabinetes dos Ministros da Suprema Corte.
Parece que vão se esgotando todas as possibilidades de sobrevivência de um povo. É como se muros de concreto fossem sendo construídos para impedir que o sol da esperança continuasse a brilhar. Cercaram a terra. Estão tentando fazer de cada pequena área ou confinamento, uma prisão. Roubam nossa liberdade, tentam prender nossos sonhos, negam nossos tekohá (terra tradicional.) nos expulsam quando voltamos a nossas terras. Então queremos dizer a vocês e a todas as pessoas em todo mundo que não mais vamos deixar nossos  territórios. Se querem nos retirar, pedimos ao governo brasileiro que mande soltados, que venham os pistoleiros, enviem também a funerária, tratores para cavar grandes valas, pois é aí que vamos fica. Essa declaração de um das lideranças, ao lado do Supremo Tribunal Federal, bradou fundo nos corações dos presentes.  Com esses termos também se pronunciaram lideranças religiosas e membros ameaçados do novas expulsões.
Gestos fortes como envolver os rostos com terra e comer terra, como grito de filhos da terra, deixaram perplexos os reportes que estiveram na coletiva de imprensa no lado seco da grama do Supremo. “Essa é a nossa arma” mostrou um dos rezadores o mbaracá com o qual  buscam abrandar a ira dos nhanderu, para que a Terra não seja destruída.
Não acreditamos mais em vocês, pois já nos enganaram e mentiram demais. Nós vamos retomar as nossas terras. Essa decisão foi repetida inúmeras vezes, dentro do Ministério da Justiça, na presença do novo presidente da Funai, Flávio. Conseguiram informações sobre o andamento de alguns processos de identificação, sendo que dos cinco Grupos de Trabalho, apenas um concluiu o relatório, com um atraso de mais de três anos conforme  compromisso assumido no Termo de Ajustamento de conduta.
Noite de vigília, muita reza e ritual
Apesar de tudo, a resistência, a vida e a espiritualidade desse povo fala mais alto. Ao lado do Palácio da Justiça as lonas pretas do acampamento. Ali passaram a noite em ritual, para que os corações dos ministros fossem amolecidos e os seus direitos e terras garantidas. As estrelas acompanharam toda a jornada como fiéis testemunhas do pacto de vida que estava sendo celebrado.
Lindo e dramático acordar entre os Três Poderes. Abrir os olhos e ver a justiça de olhos vendados. O que se pode fazer?
Era preciso recuperar esperança, encontrar com pessoas  sensíveis e atuantes na garantia dos diretos indígenas. Na 6ª Câmara uma agenda propositiva. Hora de cobrar dos representantes do Ministério da Justiça ações efetivas no combate à violência. De nada adianta  a presença da Guarda Nacional, da Polícia Federal e outros, se não existem condições objetivas e políticas claras de segurança nas áreas indígenas e proteção das comunidades e áreas ameaçadas e submetidas às violências. A Funai de Dourados parece estar virando um quartel” desabafou uma das lideranças. Daí a conclusão de que Segurança só com Demarcação das terras
Rituais de despedida. Certeza de que estão lutando pela vida e futuro de seu povo.
Egon Heck

Cimi – secretariado -Brasilia, 17 de outubro de 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Se eleito for




Enquanto  as urnas vão acariciando silenciosamente voto por voto, ponho-me a dialogar com meus botões, já envelhecidos e cansados da mesmice política a cada eleição.  A primeira constatação é obvia: tudo farinha do mesmo saco. Ou melhor, os que tem alguma chance de chegar ou permanecer no palácio do Planalto, rigorosamente propõem ou seguem a cartilha neoliberal, colonialista, ditatorial, eletista. Diante de tal cenário, a reação primeira seria de rejeição em bloco e não votar na falta de democracia.
Mas tem quase um milhão de brasileiros originários cuja situação é infinitamente pior. Além de sentir-se no direito do exercício da indignação terão que amargar mais quatro anos de vilipêndio sobre seus direitos constitucionais. O agronegócio cresce e se expande mais que erva daninha. São os povos indígenas  que primeiro e mais intensamente terão que arcar com as consequências nefastas, destruidoras, criminosas. Ele nada poupa.  Rasga o ventre da mãe terra e o enche de venenos, impunemente. Os  filhos originários da terra são agraciados com uma silenciosa guerra. Tudo acontece com a benção do sistema que covardemente insiste de chamar isso de progresso.
E se eleito for algum indígena, seja para Assembleia Legislativa estadual seja para o Congresso Nacional, cenário pouco provável,  mesmo assim terá sido o passo mais fácil, diante do hercúleo esforço que terão que fazer, em meio a um ambiente de cobras criadas, de cartas marcadas, de interesses consolidados.
Tenhamos a coragem e honestidade de pensar ,por uns instantes, no gigantesco desafio que terá   pela frente esse eventual eleito. Por mais que o movimento indígena tenha avançado e amadurecido, dificilmente não sucumbirá diante das presas sanguinolentas do monstro.
Apesar dos apesares “se eleito for” ninguém poderá fugir do pareo.  Que os céus conclamem todos os heróis e combatentes para cerrar fileira na defesa da vida e direitos dos povos indígenas.
O que será das nossas crianças?  Qual será o nosso futuro, a partir de amanhã?


Egon Heck
Dia de mais uma eleição

Cimi, secretariado

Os índios e as eleições: pior que péssimo




Tento ser otimista. Mas a  cada eleição que  chega parece que a cena do fundo do poço se repete. Aí  vem o premio consolação: pior não pode ficar. E entram de cabeça. Com consciência e secular paciência. Candidatam-se. Esse ano são mais de 80 indígenas concorrendo a alguma vaga do poder legislativo estadual ou federal. Escolhem alguém que algum benefício, de alguma maneira possa lhes proporcionar. E não faltam os tapinhas nas costas, que logo mais adiante se transformam em punhaladas.
Tento puxar a conversa para o que de melhor minha memória conseguiu reter nessas últimas décadas. Subitamente me vem a imagem de Juruna, que apesar dos apesares conseguiu ser referência da luta indígena durante algum tempo. Criou até a Comissão do índio na Câmara dos deputados. Teve a decência e a coragem de chamar o general presidente da Republica e seus ministros de ladrões. Tentaram caça-lo. Mas contra a realidade não há argumento que resista. Porém depois de um ano e meio chegou o fatídico dia 30 de agosto de 1984. Juruna cai na cilada. Vai no jatinho de um fazendeiro invasor do território Pataxó Hã-Hã -hai para o encontro  com os índios. Depois de uma discussão acirrada, vai à sede do sindicato Rural, antro dos invasores da terra indígena e diz que esses não são índios. São apenas aproveitadores. A partir desse momento Juruna desmoronou para os povos indígenas. Não resistiu às diabólicas tentações da vil moeda.
Em Roraima, o Conselho Indígena de Roraima – CIR  travou uma ferrenha campanha contra o título de eleitor.  O estrago a cada votação justificava a catilinária contra tão contraditório documento, sagrado para a assim dita democracia. Porém esse ano avançaram na perspectiva de lançar dois candidatos pelo movimento indígena. Assim tornaram-se reais as chances de eleição de um deputado
O voto étnico assim como o partido indígena nunca passaram de mera ficção. O mesmo destino teve a proposta do Parlamento Indígena.
Mas houve resistências e lutas que infelizmente não se transformaram em conquistas. Por ocasião  da Constituinte exclusiva, foi  encaminhado ao Congresso a solicitação de 5 vagas para os povos indígenas. Mais uma vez o pleito indígena foi negado.
Os candidatos e a ignorância
Mais uma vez estamos diante de um quadro patético. Para os aspirantes ao Palácio do Planalto e as benesses do poder, o que interessa é chegar lá. Os povos indígenas não cabem nessa conta. Alguns  talvez  ainda estejam com a ideia do índio do primário, ou do índio de peninha, norte americano.  Aécio, mineiramente se esquiva do tema incômodo. Dilma já mostrou  que não quer saber.  Marina também está sob a pressão dos ruralistas. Porém sua origem dos seringais do Acre, sua convivência e luta conjunta dos povos da floresta, lhe possibilitou um conhecimento e compromisso, sensibilidade e respeito, que na atual conjuntura torna difícil converter em garantia de direitos dos povos originários.
Seja por ignorância ou má fé, os direitos e a vida dos povos indígenas  estão novamente no banco dos réus ou à disposição como moeda de troca. Sem ilusão terão pela frente as maquininhas da democracia. Resta-lhes mostrar que são cidadãos primeiros deste país, e não mais admitem omissão ou ignorância com relação às suas lutas e seus direitos.
Que bom  seria
Se todos os candidatos
Se dessem conta, nesta eleição,
De que existe uma Constituição
A ser cumprida e uma dívida
Histórica para com
Os habitantes originários desse país,
 A ser saldada com urgência
Eles  clamam por justiça,
Por demarcação e respeito
A suas terras/territórios,
Punição aos assassinos  seculares
E atuais de suas lideranças e povos.
E mais do que isso,
Que assumissem um compromisso concreto,
De viabilizar esse país plural,
Com respeito, dignidade e autonomia
 para os povos indígenas

Egon Heck
Cimi-secretariado
Brasilia, 3 de outubro de 2014



quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Dom Tomás no ritual dos índios Krahô

    
“ Ele está aqui. Eu vi.  Uma pessoa quando morre fica entre nós ele não foi embora. Ele está aqui.  Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de D. Tomás.”
Gercilia Krahô, importante liderança do povo, recebeu, na nova aldeia,  com muito carinho,  parentes e amigos de D. Tomás,  que ela tinha como tio. Para o povo Krahô o tio tem uma relevância tão importante no papel da formação social quanto o pai.
A homenagem  ritual  Amjĩkĩn Pàrcahàc acontece como finalização de luto de um parente e neste caso  seu inesquecível amigo Tomás. Este ritual compreende momentos marcantes de noites acordados embalados pelos cantos no pátio,  pinturas corporais, os cortes de cabelos e a corrida com a tora de buriti que simboliza o corpo de D. Tomas.  Esse corpo  pintado e empenado percorre o pátio nos ombros dos indígenas e em seguida  levado a casa de Gercília, onde é  envolto  em um pano e logo depois despido para que as mulheres possam se despedir através do choro ritual, um lamento profundo de lagrimas e soluços que toca e faz chorar muitos presentes.  
que de   passando o “Eu só participo do ritual na igreja de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme a nossa  cultura” exigiu Gercilha
O cerrado já se vestia de verde e o rio se tingia de Vermelho para participar desse momento ímpar da memória de um de seus filhos e defensores intransigente e radicalmente comprometido com a diversidade de vida, povos e comunidades originárias deste Brasil central.
Cenário perfeito para um grande e inesquecível acontecimento. Beleza e simplicidade, alegria e lágrimas, gestos profundos de espiritualidade ritual. A celebração da memória de um “kupen”(não indígena) na aldeia é mais do que uma excepcionalidade, é um gesto de reconhecimento da  permanência dentre eles.
Presentes e compromisso
Um dos momentos marcantes do ritual...... foi quando Dom Eugênio, bispo de Goiás entregou à comunidade, através de Gercília umas lembranças de D. Tomás – uma cruz  simbolizando os mártires latino-americanos e uma vistosa estola, que ela imediatamente vestiu. Era mais do que memória. Foi o selado o compromisso da continuidade do trabalho em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas, em especial com os “mehin” (Krahô).
De longe se ouvia a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia. Era  o último dia da celebração. Jercilia se aproximou de D. Eugênio, e num gestou perdido na noite, carregada de harmonia , revezando silêncios e maravilhoso cantos, tirou o colar que trazia no pescoço e colocou-o no bispo dizendo “Agora você é compadre de D. Tomás”. Umas rápidas palavras e estava selado o compromisso.
D. Eugênio declarou que sempre teve muita admiração por D. Tomás, pelos seus trabalhos, pela sua luta.  Por essa razão estava junto aos Kraho,  com o pessoal do Cimi, CPT e outros amigos de D. Tomás. “Simpatizo com a causa indígena e da terra . É preciso defender essa gente e os empobrecidos da terra”. Disse ter achado ótimo essa oportunidade de conhecer um pouco mais da cultura indígena.
O massacre continua
No decorrer dos três dias celebrativos inúmeros depoimentos foram sendo desfilados, todos eles marcados por profunda indignação e revolta, pelas violências, omissões, preconceitos e massacres. Izabel Xerente verberou “ Vão entrar em nossas terras(grandes projetos) para massacrar. Nois vivemos lutando por todos. Tenho essas borduna pra dará na cabeça.
Vários depoimentos lembraram o avanço do agronegócio, destruindo as matas, poluindo os rios. As monoculturas da soja, do eucalipto, do gado, acaba envenenando  e matando a terra e os animais. Os rios estão secando.
Foi lembrada a brava resistência das comunidades indígenas diante das políticas desenvolvimentistas do atual governo com as rodovias, hidrovias, hidrelétricas, dentre outros. Porém nós indígenas somos a semente e as plantinhas dessa terra. Vamos continuar lutando. Vamos nos unir com os pobres. Vamos lutar unidos.
O povo Krahô, que faz parte da grande nação Timbira, são hoje em torno de 3.200 pessoas  vivendo em 28 aldeias nos municípios de Goiatins e  Itacajá no Tocantins
Gratidão e alegria. O ritual que marcou o fim do luto de D. Tomás entre os Krahô, também nos traz a certeza de sua presença  e a  continuidade de sua  luta entre nós e      da vitória dos povos originários do país e do continente latino-americano.

Brasília, 1 de outubro de 2014
Cimi GOTO
Egon Heck