ATL 2017

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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Juruna, Babau, e o Papa – Quem não deve não teme


Sexta feira santa de 2014. Babau  Tupinambá é condenado ao silêncio. Impedido de deixar o país. Seu território está militarizado e sua luta pela terra criminalizada. “Querem me impedir de todas as formas de ir para o encontro com o Papa. É uma rede contra a demarcação das terras Tupinambá, contra os indígenas. Não querem que denunciemos ao mundo que se passa aqui. Isso não é democracia, é ditadura. Como pode se instalar um estado de exceção assim, sem mais nem menos?”, questiona cacique Babau. (site do Cimi)
Babau iria ao  Vaticano  a  convite feito pela CNBB para que participasse de uma celebração relativa à canonização do padre José Anchieta. Na oportunidade, o Babau levaria ao papa documentos e mensagens sobre a questão indígena no Brasil, denunciando violações de direitos humanos e a paralisação da demarcação de terras.

A história se repete

Novembro de 1980. A ditadura impede Juruna de deixar o país.  Fora convidado a participar do Tribunal , em  Rotterdan, na Holanda. O impedimento da viagem de Juruna desencadeia uma reação ampla do movimento indígena e indigenista e seus aliados, em nível nacional e internacional. Neste IV Tribunal Russel estavam sendo denunciadas as violações aos direitos humanos das populações indígenas das Américas. A maioria dos países estavam mergulhados em ditaduras civis-militares.
Travaram-se verdadeiras  batalhas jurídicas, estando de um lado o governo através da Funai e Ministério do Interior impedindo a viagem de Juruna, e do outro lado Juruna, movimento indígena e seus aliados, impetrando habeas Corpus para viabilizar a viagem à Holanda.
Finalmente “ por quinze votos a nove o Tribunal Federal de Recursos concedeu habeas corpus ao cacique Xavante Mário Juruna e reconheceu seu direito  de representar o Brasil no Tribunal Bertrand Russel atentando a “ilegalidade e o abuso de poder do ministro do Interior Mario Andreazza que  negara autorização para o índio sair do país.
Juruna chegou no último dia do encontro, sendo recebido com flores e empossado como presidente das últimas sessões do Tribunal. A tutela fora nocauteada. Porém só seria superada na Constituição de 1988 e seus resquícios são enfrentados ainda hoje.

Genocídio dos índios no Brasil é levado ao Vaticano


“O etnólogo Frances Christian Delorme, membro do Comitê da Escravatura, informou o Vaticano sobre o assassinato em massa de índios em diversos países latino-americanos..  O relatório diz que  no tempo do Serviço de Proteção aos índios, quando era diretor o major Luis Vinhas (já na ditadura militar), este inverteu em seu benefício 300.000 dólares, além de ser responsável pela morte de 42 indígenas... Já não é  um ou vários indivíduos monstruosos cujos atos são denunciados. Trata-se da destruição coletiva de várias comunidades étnicas, organizada sistematicamente por uma administração oficial”. (Folha da Tarde, Porto Alegre, 4-03-1970)
Já no ano de 1968,  com a publicação do “Relatório Figueiredo” e CPI do Índio - 1963, o Brasil e o mundo  ficaram surpresos com as vultuosas barbaridades cometidas contra os índios no Brasil.  Logo as reações nacionais e internacionais se fizeram sentir “De Genebra, na Suíça, a Comissão Internacional de Juristas pediu ao governo brasileiro para tomar as mais enérgicas providências contra os responsáveis pelo assassinato em massa de índios. Como resultado das corajosas descobertas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o mundo chocou-se ao saber que tribos inteiras de índios, que viviam em certas regiões do interior do Brasil – em particular nas áreas da Bacia Amazônica e Mato Grosso estavam sendo exterminadas a vários anos. Os métodos  empregados foram excepcionalmente bárbaros: bombardeios de aldeias por aviões, inoculação de varíola e outras doenças contagiosas. Embora não seja  possível fornecer números com certeza, pode-se declarar que todos os elementos de genocídio  estiveram presentes...”(Estado de Minas, 19/09/68)
Denuncias  semelhantes foram apresentadas ao Papa Paulo VI em julho de 1980. Recentemente o presidente do Cimi, D. Erwin Krautler e o assessor teológico da entidade, Paulo Sues, entregaram ao papa Francisco documento com as graves violações do direitos indígenas, que infelizmente continuam acontecendo.
Como diz o ditado popular “quem não deve não teme!”. Esperamos que a luta dos povos indígenas e seus aliados  faça o Estado brasileiro reconhecer os direitos indígenas, demarque e proteja os territórios indígenas, antes mesmo que comece a rolar a bola na Copa do Mundo. E que os Tupinambá, vítimas primeiras da secular invasão, tenham finalmente suas terras demarcadas e possam viver em paz.

Egon Heck
Secretariado do Cimi
Brasília, sexta feira santa de 2014


sexta-feira, 11 de abril de 2014

Assembleias Indígenas: 40 anos depois segue a luta e articulação

Em abril de 1974, em pleno "milagre brasileiro", anos de chumbo da ditadura militar, duas dezenas de indígenas se reuniram embaixo de algumas mangueiras, em Diamantino (MT).
Era abril. Uma comemoração diferente. Fato que viria marcar profundamente a luta dos povos indígenas no Brasil. Se lançavam as sementes de um novo movimento indígena no país. Nos dez anos seguintes, foram mais 50 Assembleias Indígenas em todo o país. A segunda foi em Cururu, território Munduruku, e a terceira se realizou em Meruri, território Bororo. Foi no bojo desses momentos de encontros regionais e nacionais que em 1980 surge a União das Nações Indígenas (UNI). Apesar das dificuldades e fragilidade de uma organização indígena de abrangência nacional, foi um passo importante na consolidação das lutas dos povos indígenas por seus direitos.

Há 40 anos se dava um passo decisivo para conquistas fundamentais, particularmente na questão da posse dos territórios tradicionais, na perspectiva da autonomia, como consta do registro do encontro: "Os índios redescobriram que eles devem ser os sujeitos de seus destinos, não é a Funai e nem as missões os que resolverão os problemas deles, mas nós mesmos", como afirmaram insistentemente. Apesar do apoio inicial do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em muitos momentos eles ficaram sem a presença de brancos, para traçar suas estratégias de luta. Essa primeira Assembleia Indígena teve o registro silencioso do padre Iasi, conforme consta no Boletim do Cimi nº10, de maio de 1974. Iasi se encontra em Belo Horizonte, tendo completado 95 anos no último dia 5 deste mês de abril.



“Quarenta anos depois, uma delegação dos povos indígenas do Mato Grosso está em Brasília para dizer: "Nós existimos!”. Apesar do genocídio continuar, também se fortalece nossa luta, principalmente pelo reconhecimento e garantia de nossos territórios", afirma Faustinho Tucumã Kayabi.

Lembram que nessas quatro décadas muita luta aconteceu, muitos morreram lutando pelos direitos, mas mais guerreiros nasceram, povos se ergueram e línguas se reconheceram. "Estamos sofrendo com a expansão do agronegócio, com a construção de hidrelétricas e hidrovias. Muitas das nossas terras estão invadidas e outras não demarcadas, como a dos Chiquitanos", declara Faustino.

Terão uma semana de encontros em diversos ministérios, na Câmara e Senado, além de órgãos ligados a questão indígena. A comitiva irá entregar documentos exigindo a demarcação das terras, o direito dos povos isolados. Também manifestaram preocupação com o sofrimento e agressões de diversos povos indígenas em todo o Brasil, especialmente os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, os Tupinambá do sul da Bahia, os Kaingang no Rio Grande do Sul, dentre outros.

Para o Cimi, tais lutas têm um significado todo especial, pois na região destes povos do Mato Grosso que se concretizaram atitudes corajosas de ruptura, como no caso dos jesuítas em Utiairiti e os salesianos em seu compromisso de vida com os Bororo e Xavante. Foi em consequência dessa nova e radical atitude de defesa da vida e cultura desses povos que foram assassinados Simão Bororo e padre Rodolfo, em meados de 1976, e o padre João Bosco, no mesmo ano. Dez anos depois era assassinado Irmão Vicente Cañas, que trabalhava com os Enawenê-Nawê. Sementes de sonhos e de martírio, acreditando que um mundo novo será possível.

Os direitos ameaçados

Em contato com os diversos espaços de poder, os indígenas pretendem dar visibilidade na demonstração de preocupações com relação à paralisação da demarcação dos territórios tradicionais. Também vão dizer não a intenção do Ministro da Justiça em mudar, a toque de caixa, a dinâmica do procedimento demarcatório das terras indígenas, a imposição do decreto de morte, a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), além de várias portarias, como as 215 e 227, que pretendem suprimir direitos constitucionais.

A delegação de indígenas do Mato Grosso vem dar continuidade às lutas históricas destes povos para ampliar e consolidar alianças, exigindo seus direitos e denunciando todas as formas de violações. “No Mato Grosso, o agronegócio se impõe sem nos respeitar. Onde tem cerrado querem soja. Onde tem mata querem tirar madeira, onde tem rio querem fazer usina e nosso ar e água estão sendo envenenados por agrotóxicos", afirmam os representantes Kayabi, Xavante, Bororo, Myky, Chiquitanos, Munduruku e Manoki.



Egon Heck
Cimi - Secretariado

domingo, 6 de abril de 2014

Milagres dispensados


Fatos marcantes na memória brasileira. O golpe militar, após meio século, ainda deixa rastros e entulhos autoritários nas estruturas e no modelo desenvolvimentista. Sem milagres, mas com a mesma mão de ferro, continua impondo projetos que agridem e desrespeitam as populações indígenas e tradicionais, especialmente na Amazônia. Se atualizam as Balbinas, Tucuruis, Itaipus, com Belo Monte, Jirau Santo Antônio, Tapajós... e  dezenas de hidrelétricas no cronograma oficial.

As maiores vítimas do “milagre brasileiro” no período do general Garrastazu Médici (1969-1974) foram os povos indígenas. As grandes rodovias, hidrelétricas, mineração, rasgaram os territórios de dezenas de povos indígenas, desencadeando um processo de destruição e violência que deixou um rastro de milhares de mortos, comunidades inteiras destruídas pelo impacto dos projetos, das bombas, armas de fogo, epidemias, calados e condenados pela repressão e invisibilidade.

O mais grave é ter acontecido como se estivesse sendo feito um dever de casa, realizando uma ação patriótica. Prova disso é que até hoje não se viu esboçar nenhum gesto de reconhecimento das atrocidades e pedido de perdão aos povos indígenas, por parte do Estado brasileiro e seus mandantes. O mínimo que deveria estar acontecendo seria um reconhecimento dos crimes através de um gesto concreto de reparação, demarcando e protegendo os territórios indígenas.

Papa Francisco e o encontro com representantes do Cimi


Manhã do dia 4 de abril. Na agenda do Papa um singelo encontro com o presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler e o assessor teológico do Cimi, Paulo Suess. Na pauta do encontro, a questão indígena no Brasil. Na conversa é apresentada a situação candente de povos violentados em seus direitos, suas vidas, e suas almas. Realidades que o Cimi vem denunciando há mais de quatro décadas, mas que infelizmente persistem. Durante a audiência, os representantes do Cimi levaram a Francisco casos de violências a que estão submetidos os povos indígenas e seus aliados. Destacaram a questão Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, onde o confinamento (45 mil indígenas) em área tão pequena traz consigo mortes, suicídios e sofrimento atroz e permanente... A truculência do governo brasileiro contra os Tupinambá, no sul da Bahia, que hoje têm em suas terras uma base do Exército, incêndio de casas, como a de um agricultor aliado dos Kaingang, no Rio Grande do Sul, e os ataques do agronegócio contra o Cimi e demais organizações. Um rosário de citações de um calvário e martírio sem fim.  Os dados e números mostram que as veias abertas da América Latina, com os decretos de morte dos povos originários, continuam abertas. No Brasil não é diferente . O capital voraz, com apoio do governo e políticos, avança inexoravelmente sobre os territórios, riquezas e vidas dos povos indígenas. “Sobre os grandes empreendimentos, o bispo lembrou que hoje 519 obras causam impactos em 437 terras pertencentes a 204 povos indígenas, conforme relatório produzido pelo Cimi com base também em outros estudos”.


De acordo com Dom Erwin Kräutler, o Papa Francisco demonstrou atenção, preocupação e sensibilidade para com as questões levadas até ele pelo Cimi, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 


Que a canonização de José de Anchieta seja um momento de lembrar também os santos e mártires da resistência, enfatizando o compromisso dos jesuítas na construção de um projeto de autonomia dos povos indígenas na “República comunista cristã dos Guarani”, conforme expressou Lugon. Quem sabe se tivesse algumas dúzias de Bartolomeu de Las Casas, a realidade no continente seria bem outra. Se Sepé Tiaraju e seus guerreiros Guarani, tivessem vencido os exércitos de Espanha Portugal, em Caeboaté, bem diferente seria a América do Sul.
É de desconstruir mitos, dispensar milagres, reconhecer os santos e mártires, da construção de uma outra América e um outro Brasil. O Guerreiro Guarani Sepé Tiaraju, é venerado como santo, no Rio Grande do Sul. Resta reconhecer as terras e o direito dos Guarani e Kaingang para que vivam em paz, com dignidade e sabedoria milenar.
Que os gestos singelos do Papa Francisco, de dispensar milagres e receber os representantes do Cimi, sejam sinais de novos tempos de compromisso com a vida dos povos indígenas em nosso país.

 Egon HeckCimi – Secretariado Brasília, 5 de abril de 2014