ATL 2017

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

A raiz das ruas

 
Ao me debruçar sobre a memória dos acontecimentos de 2013 imediatamente emergem duas imagens fortes, a súbita ocupação do plenário da Câmara dos Deputados, pelos povos indígenas de todo o país, em abril, e na sequencia a massiva ocupação das ruas por milhares e milhões de brasileiros de todas as idades e origens, neste imenso Brasil.  Poderíamos nos perguntar, o que tem a ver algumas centenas de nativos ocuparem física e simbolicamente o inviolável e sagrado ambiente do poder legislativo?  A debandada de deputados é a melhor imagem  do secular preconceito e etnocídio praticado pelas classes dominantes encasteladas nos três poderes e dos imperadores de aquém e além  mar.
Não demorou e o grito de insatisfação eclodiu nas ruas.  Um rotundo não a tudo que aí está em termos de modelo político, econômico e social. Do sistema  de exclusão e marginalização ao capenga modelo de democracia representativa. Questionou-se tudo. A insatisfação e indignação transbordaram para as ruas em forma de tsunami. As ruas foram o desaguadouro.   Sem um projeto pronto de sociedade, mas a necessidade de varrer a corrupção e construir algo de novo, a partir de uma nova consciência. Imperativo urgente de transformações profundas da insurgência das aldeias e das ruas veio o  recado -  um país sem mensalão ou mensalinho, sem  racismo, exclusão ou preconceito. Um Brasil plural, outro caminho.
Mobilizando a resistência e a insurgência
Talvez  mais que qualquer outro setor social os povos indígenas tiveram que se manter em permanente estado de alerta e mobilização para não verem seus direitos retalhados e rasgados, suprimidos  da Constituição.  Iniciativas partidas dos três poderes. Nítida impressão de que as forças anti indígenas estavam orquestradas na sórdida e cínica sanha de sequestrar os direitos indígenas e entregar as terras indígenas à rapinagem. Para os ruralistas e o agronegócio tudo é valido desde que não se questione ou coloque qualquer obstáculo à vaca sagrada da propriedade privada e da acumulação através da empesteada produção  da monomulta
Jesus  Guarani em Yvy Katu
Renascimento da luta pelo território tradicional, esperança e um sonho renovado da paz distante, na guerra presente. Nas crianças o sorriso, apesar de tudo. Nos guerreiros e sábios a certeza da vitória na incerteza das batalhas que terão pela frente. Nas diversas manifestações públicas às autoridades e à sociedade, não deixam lugar para dúvidas: mais dia, menos dia a vitória da terra virá. Não virá no sorriso forçado de algum papai Noel, mas no vermelho do sangue já derramado e que não foi e será em vão. Irão, se necessário for, até as últimas consequências – a morte coletiva.
Nos barracos e acampamentos tem lugar para Jesus de Nazaré , de Yvy Katu, Guarani Nhandeva, mensageiro de esperança e força transformadora.
Aos que partiram para ficar entre nós
A imagem sorridente nos enche de seu espírito revolucionário e de Justiça. Nelson Mandela, o grande lutador por um outro mundo possível, a partir de seu exemplo de luta em sua pátria e pelo planeta afora. Ele, como tantos  outros que partiram, são indispensáveis e permanecerão por todo sempre em nossas memórias. Serão a luz em nossa frente aquecendo nosso espírito para não perder o horizonte e não se deixar abater pelas pedras do caminho.
Quero deixar minha admiração e gratidão ao exemplo insofismável dos guerreiros Kaiowá Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul que tombaram sob as balas assassinas dos pistoleiros, fazendeiros e daqueles que os deviam defender, a polícia.
Além dessas figuras maravilhosas que sempre nos inspirarão, quero registrar a figura de um sábio guerreiro, que ajudou forjar minha resistência e rebeldia, através de uma sólida consciência social e insubmissão.  Refiro-me ao Pe. Adair Mario Tedesco, que nos idos dos anos cinquenta e sessenta acompanhou meus passos, partilhou sabedoria e saberes, alegrou meus dias com canções as mais diversas e jogou  no meio de campo no time de futebol do seminário.
Grande Tedesco, guerreiro da sabedoria e testemunho na fé, partiste há poucos dias. Estava distante e não pude estar em sua despedida, mas o faço agora com toda admiração que mereces, na certeza de que novamente estamos mais próximos, na causa, no campo na luta
Que o ano de 2014, não seja apenas de  belas jogadas no campo e nas urnas, mas que faça brotar em cada um de nós um melhor lutador nas arenas da justiça e liberdade. Vamos estar juntos nas ruas, nos campos, nas urnas.Vamos fazer avançar a esperança e a transformação e construção de um novo projeto para o Brasil. Não poderia deixar de encerrar mais um ano sem minha  gratidão a todos os guerreiros indígenas e do Cimi
Egon Heck e Laila Menezes
Povo Guarani Grande Povo
Cimi, Brasilia, 25 de dezembro de 2013