ATL 2017

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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Marçal Guarani - trinta anos de impunidade



Marçal, Marçal,
és profeta de um novo canto,  
de uma Terra livre e sem quebrantos
que é compromisso dos que estão aqui
Marçal, Marçal,
tua morte só apressa o dia,
em que o alto preço dessa  covardia,
será cobrada pelos Guaranis
( Luis A. Passos)

Vida ceifada a três décadas não foi silenciada. Há trinta anos os Kaiowá Guarani da região de fronteira com o Paraguai lutam para ter suas terras de volta e se faça justiça  com os matadores de índios e não prevaleça o império da impunidade. Marçal Tupã-y foi assassinado no dia 25 de novembro de 1983, na aldeia de Campestre, Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antonio João. A morte brutal teve repercussão no país e exterior. Marçal  era uma liderança destemida  na luta pelos direitos de seu povo Guarani e Kaiowá, bem como pelos direitos dos povos indígenas do país. Em 1980 fez um veemente apelo  ao Papa João Paulo II, em Manaus-AM.

O  fazendeiro Líbero Monteiro de Souza, apontado como mandante do crime,  executado por Romulo Gamarra, faleceu no início do século, tendo sido inocentado,  no julgamento realizado em Ponta Porã,  dez anos após o assassinato. Em 2003 a ação prescreveu, sem que assassinos ou  mandante  fossem punidos.

Celebração do martírio

Assim como Sepé Tiaraju é um herói e mártir da resistência Guarani, do século XVII, Marçal é um herói, mártir da luta com seu povo, no século 20. Por ocasião dos 30 anos de seu assassinato, o povo Guarani e seus aliados estão organizando uma serie de atividades como seminários, debates, para dar visibilidade a esse assassinato e as centenas de mortes em função da terra.

Para este mês estão previstas atividades na região para celebrar a memória de Marçal, honrando sua  memória, dando continuidade às suas lutas principalmente pela terra.

Uma liderança convertida pelo exemplo de Marçal  foi Hamilton Lopes que dizia "Ao ver a luta de Marçal eu senti que devia assumir essa luta e me comprometia dar  continuidade.E assim o fez. Andou pelas aldeias, em vários lugares do Brasil e do mundo, denunciando a violência e injustiça a que estavam submetidos os Kaiowá Guarani, principalmente a negação de suas terras. Morreu sem ver sua terra Nhanderu Marangatu, já homologada, ter sido devolvida a seu povo. Seu espírito e exemplo continuam animando a luta.

Há dois anos era assassinado o cacique Nisio Guarani, que  com seu povo havia retornado à sua terra tradicional, Guaiviry. Seu corpo até hoje não foi localizado. Os assassinos continuam solto. Seu filho Genito denunciou nesta semana, na OEA (Organização dos Estados Americanos) as violências e ameaças a que continuam submetidos. A história demonstra que a efetiva demarcação de nossos territórios é o único meio eficaz de se solucionar o estado de violência. Nenhum programa de proteção do governo irá efetivamente proteger a minha vida e de meus parentes enquanto não se repara esta dívida histórica"

Façamos deste mês de novembro uma grande celebração dos centenas de mártires e heróis Guarani Kaiowá e demais povos indígenas do país.

Yvy Katu urgente

"Pode haver um banho de sangue a qualquer hora", afirmam os fazendeiros e agricultores acampados próximo à ponte do rio Iguatemi, nos limites da terra indígena. O cacique Rosalino, que há trinta anos vem lutando pela terra de seu povo e que participou na retomada do Pirakuá, apoiada por Marçal, e razão mais imediata de seu assassinato, lança seu clamor e pedido de solidariedade e ajuda pois estão passando por graves necessidades, principalmente de alimentos.

A solidariedade passa pela exigência da conclusão da regularização das  terras e a devolução das mesmas  às comunidades de Porto Lindo-YvyKatu.

Se o Ministro da Justiça diz estar com 75% de sua agenda ocupada com a questão indígena,  a única forma de fazer justiça é demarcando as terras.

 Egon Heck

Povo Guarani Grande Povo

início de novembro de 2013

 

Espiritualidade em tempos de conflito



Carlos Mesters  partilhou com os missionários do Cimi  importantes passagens da Bíblia que animam a vida e compromisso dos missionários junto aos povos indígenas. A expectativa dos participantes é de que esse fosse um momento de renovar os sonhos e realimentar a utopia, na resistência dos povos indígenas. Tempo de reanimar, juntar forças, regar as sementes e alimentar nossas esperanças. 

Foi destacado a  importância da Bíblia na vida, na partilha a partir do momento que cada um está vivendo e da conjuntura de conflito e luta em que nos movemos em nossa solidariedade com os povos indígenas. Esses povos vivem em imenso cativeiro há mais de 500 anos. Desintegração cultura, destruição da natureza, roubo das riquezas e sabedoria, são partes desse  cativeiro. Solidários com esses povos,  animados e iluminados pelos povos e pela  Bíblia, se procura romper os grilhões do cativeiro. " A pior coisa que pode acontecer a um povo é perder sua memória. Perdendo a memória perde a identidade" afirmou Mesters.

Em vários momentos foi ressaltado a importância da espiritualidade que brota do chão do conflito, alimenta a fé e o exemplo de Jesus de Nazaré, que se dá na ternura, no diálogo, no encontro e na consciência.

Mais de 80 missionários que trabalham  junto aos povos indígenas em todo o país, se alimentaram desses dois dias de reflexão, silêncio e celebração. Partilhamos vidas e esperança, dores e sonhos,  caminhos e lutas. Do cativeiro  à libertação, uma importante releitura da Bíblia, da natureza até o ponto de chegada em Jesus  "Jesus refaz o relacionamento humano na base, na "Casa";Recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa;Reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia; Cuida dos doentes e acolhe os excluídos; Recupera igualdade homem e mulher; Vai ao encontro das pessoas; Supera as barreiras de gênero, religião, raça e classe'

Ficaram muitas perguntas que nos irão acompanhar e animar a continuidade de nossa missão:  "Qual a falsa imagem de Deus que hoje está por detrás do sistema neoliberal e da lenta e progressiva secularização da vida dos últimos duzentos anos? Qual a imagem de Deus que estava por de trás da leitura errada da Bíblia legitimando a depredação da natureza? Qual a imagem de Deus que está por de trás do progresso da ciência? Muitos cientistas se dizem ateus. Talvez tenham razão, pois o Deus que eles dizem não existir de fato não existe. Saramago que se dizia ateu disse esta frase: "Deus é o silêncio do Universo; o ser humano é o grito que tenta interpretar o silêncio".

Temos muito que aprender e recuperar na nossa caminhada solidária junto aos povos indígenas: "Temos que recuperar a criatividade e a capacidade de admirar. Nesse ponto, o povo da Bíblia dá lição em todos nós. Apesar de todas as suas limitações, eles souberam ler o Livro da vida. Souberam descobrir e cantar a beleza do Universo que revela o amor de Deus e a grandeza do Criador. Souberam verbalizar, partilhar e transmitir suas descobertas, enriquecendo as gerações seguintes. Os salmos são um dos exemplos mais bonitos.

Vamos construindo uma nova pastoral onde a gratuidade da presença amorosa e universal de Deus torna-se  presente e conduz, destacando alguns  aspectos como "a ternura, o diálogo, o encontro e a consciência crítica"

Foram dois dias em que a maneira sabia e alegre da contribuição de Mesters, incorporando as reflexões sobre os povos indígenas e as lutas e desafios do Cimi, nas recentes e  motivadoras palavras do papa Francisco, nos deram muito animo e a certeza de nosso compromisso  junto aos povos indígenas.

 

Egon Heck

Cimi