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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Guerra Secular



A guerra contra os Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, declarada  secularmente, volta a ser reafirmada.  Atualizada, esta guerra genocida, ininterrupta, ganha contornos inimagináveis em qualquer parte do mundo neste século 21.



“Poucos aceitam falar, mas admitem articulações que já consideram a contratação de homens para uma ‘guerra’...Conhecido como ‘Lenço Preto’, há 35 anos Luis Carlos da Silva Vieira é proprietário de uma área a poucos quilômetros da Fazenda Campina e diz que está convocando os fazendeiros da região para a ‘guerra’. Ele tem gado na área já ‘retomada’.“Se o Governo quer guerra, vai ter guerra. Se eles podem invadir, então nós também podemos invadir. Não podemos ter medo de índio não. Nós vamos partir pra guerra, e vai ser na semana que vem. Esses índios aí, alguns perigam sobrar. O que não sobrar, nós vamos dar para os porcos comerem”, dispara.O fazendeiro conta que já houve conversas com outros produtores da região e confirma que o conflito armado já é considerado uma opção. Ele diz que a intenção é aguardarem até a próxima semana, para então agir caso não haja novidades favoráveis.“A maioria dos fazendeiros está comigo. Arma aqui é só querer. Eu armo esses fazendeiros da fronteira rapidinho, porque o Paraguai fica logo ali, e na guerra não tem bandido”, avisa.
Tem um fazendeiro conhecido aí da região que falou pra todo mundo aqui: posso até sair, e entregar para os bugres, mas assim que a poeira baixar, eu lavo essa terra de sangue”, relata um dos produtores que falaram com a reportagem.Vieira confirma que a contratação de pistoleiros paraguaios é uma opção para os produtores rurais reagirem. “Eu acredito que vai ser por aí. A guerra vai começar aí. Eu, como a propriedade lá não é minha... Se é minha, já tinha índio estendido à vontade aqui”, diz apontando para o campo às margens da rodovia.”(Midiamax,18-08-2012)
Diante da eminência de mais ações genocidas, os Kaiowá Guarani reafirmam : “Acreditamos na paz, somos da paz verdadeira, nos não temos armas de fogos destrutivos à vida humana. Queremos sobreviver. Por fim, repudiamos reiteradamente a violências contra a vida humana.  Sim, temos somente nossos cantos e rezas sagradas mbaraka e takua para buscar e gerar a paz verdadeira à vida humana. Neste sentido, nós vamos e queremos ser morto coletivamente cantando e rezando pelos pistoleiros das fazendas. Esta é nossa posição definitiva diante da ameaça de morte coletiva/genocídio/etnocídio anunciada publicamente pelos fazendeiros da região de faixa de fronteira Brasil/Paraguai.” (Conselho da Aty Guasu, 18-08-2012)
Nos caminhos da dor e esperança
Andando pelas aldeias e acampamentos Kaiowá Guarani, os sentimentos afloram em dor e esperança a cada passo dessa história de resistência e afirmação da vida, em meio à guerra declarada e a dor manifesta em cada sentimento reprimido, em cada família rompida, em cada casa destruída, em cada vida partida,
Andamos com a alma na mão e o coração acelerado pois em cada comunidade, acampada ou confinada,  os gritos de dor ou alegria se repetiam com muita intensidade.
Em Laranjeira Nhanderu, onde partilhamos belos momentos de luta e resistência, encontramos uma comunidade abalada pela morte inesperada do Zezinho. Um forte vendaval de ressentimentos e sentimentos submersos, emergiram transbordando em agressões, ódio, lágrimas e disputas. Provavelmente só o tempo irá restabelecer a paz e harmonia entre todos.
Já em Itay um grupo nos aguardava, com o sorriso largo e constante dos Kaiowá Guarani. Tomando terere (mate com água fria) relataram orgulhosos o clima de paz, após a publicação da portaria declaratória da terra. Porém está tudo parado. Ainda não foi feita a demarcação física. Não entendem por que a demora da Funai neste aspecto. Também sentem a ameaça de moradores de uma vila que está dentro da área, e que disseram que iriam colocar veneno na caixa d’água que abastece a comunidade indígena.

Seguimos para Guirá Kambi’y, onde nos receberam com ritual, enfrente e dentro da oga pysy ( casa de reza) que estão acabando de construir.
Nas periferias de Dourados, vimos as duas áreas retomadas, Boqueirão e Nhum Verá com muito mais barracos do que em tempos passados. As lideranças relataram com orgulho o que conseguiram plantar e as pequenas conquistas, dentro de uma realidade de muita necessidade, caristia e pobreza.
Com Damiana, guerreira destemida, lutadora incansável,  fomos a mais uma “via crucis”,  caminho da dor, da visita ás cruzes onde estão sepultados seus dois filhos recentemente mortos por atropelamento. Ela, mais do que ninguém conhece a dor das estradas que matam. Já teve o marido e três filhos mortos por atropelamento. E ali está ela o asfalto, a cerca e a cana, resistindo bravamente, no tekohá Apika’y.
No acampamento Takuaju Laranjal,  encontramos uma comunidade fragilizada por muitos conflitos internos e abalada com o recente suicídio de uma mãe, que foi enterrada à beira da estrada, próximo ao local onde  fora queimada uma indígena do grupo há alguns anos. O fato de não terem sido incluídos nos Grupos de Trabalho de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani e não terem até o momento nenhum sinal positivo neste sentido, os deixa bastante desanimados.
Nos caminhos da dor há esperança. Nos caminhos da guerra secular enfrentada pelos Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, existem as brisas que suavizam o sofrimento e não deixam morrer a esperança, mesmo em meio a tantas mortes e violência. A resistência desse povo da paz sinaliza e nos convoca para outros jeitos de vida, para além do brutal sistema da acumulação, da agressão á terra e sua gente.
Egon Heck e Laila Menezes
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos, agosto de 2012